segunda-feira, 14 de fevereiro de 2005

Leda*


Será, doutor, que existe algum lugar ao qual possamos ir e preencher um requerimento solicitando a vida de volta? Uma repartição qualquer, com uma moça entediada atrás do balcão; você paga uma taxa e recebe o formulário que deverá ser preenchido e assinado e... pronto! Possui a própria vida novamente sob custódia.
Diga-me você, que já estudou tanto, já ouviu centenas de histórias, existe esse tal lugar? Não. É claro que não. Isso não importa, já que facilmente posso criar esse paraíso psicótico...
Gosto que me olhe assim - tão atento e agradecido – pelo simples fato de que a louca sou eu. Mas, você meu caro, não sabe o que está perdendo, afinal, “imaginamos o que desejamos; queremos o que imaginamos; e, finalmente, criamos o que queremos.” Que mal pode haver nisso?
Mas, voltando ao que me aflige, exijo que me cure, sou a cliente, aquela que sempre tem razão... Não espere que eu me comporte com suavidade, mas, por favor, invada o meu mistério, ou será que... Você também tem medo das minhas trevas?
Isso, olhe as minhas pernas. Eu gosto de perceber que você me lê como mulher até o limiar do seu controle. Controle pode ser coisa de gente normal, mas, não necessariamente de gente feliz. Chega, chega de conversa fiada; eu sei que inquieto você, que na hora do banho você pensa em mim e que a única terapia ao seu alcance é um orgasmo solitário.
Pronto, falei a palavra mágica... SOLIDÃO. Ah! Quantas concessões uma mulher pode fazer à solidão..E eu fiz todas, é claro. Naveguei solidão adentro, encontrei-a em todos os leitos, abracei-a em todos os corpos que semearam o meu.
Você está assustado, vejo nos seus olhos... O mérito é todo meu por ter despertado a consciência da sua própria solidão.
Viver é uma travessia muito longa. Eu sei que você gostaria de medir a temperatura da minha pele, aconchegar-se ao meu seio. Eu me empenho para ser a sua mais irresistível fantasia. Vista-a! Eu ordeno!
A consulta está chegando ao fim e continuo sem nenhuma certeza... Você, como eu, está agonizando. Quer, também, a sua vida de volta?

Sandra R. S. Baldessin

* coletânea de contos "Capitus?" , inédita.
imagem: Freud. disponível em: http://members.surfeu.at/4all/freud.jpg

4 comentários:

XXXX YYYY disse...

Sandra, será que existe algum lugar ao qual eu possa ir e preencher um requerimento solicitando que Capitus deixe de ser inédito?
Quando vou poder ter em minhas mãos esse livro? Livro é um dos meus maiores fetiches. Poucos prazeres se comparam ao de tê-los nas mãos, acariciar sua páginas, beber seus segredos.
Parabéns, moça. Você escreve bem demais!

Sandra Baldessin disse...

rsrs... sei não, se tal lugar existe. Eu também tenho uma relação fetichizada com os livros. no final de 2004 eu enviei algumas cópias do original para 3 editoras, uma nunca respondeu, as outras duas escreveram dizendo que gostariam que eu trabalhasse com eles, como autora, mas não dos meus textos. Pode? Uma delas me convidou para escrever uma espécie de manual: "como evitar que seu cão fique deprimido", sabe como é, literatura não vende e cachorro todo mundo tem...rsrs Enfim, eu quase sucumbi à tentação monetária, mas fiquei com medo de perder a inspiração, sabe como é? ofender os deuses da escrita...rsrs
Fico feliz que você goste de meu texto.
beso, querido.

Eliana Mora disse...

Eu não queria falar em coisa triste, mas.......é isto: assino e corroboro com tuas palavras [e as de Jozé, claro, tbém].
Somos boas e a dificuldade de o "Ibope" institucional reconhecer isso é uma montanha - e um maomezinho. [mas não quero dizer que JAMAIS conseguiremos algo: eu tenho um livro editado, porém ainda não consegui lançar ---- tenho mais 5 ou 6 prontos ----- de poesia, poetrix etc].

besos

Sandra Baldessin disse...

é Eliana, mas de qualquer forma a net facilitou muito o contato entre esses autores e também ampliou a possibilidade de exposição dos trabalhos. Eu tenho 4 livros prontos, na verdade. Eu tenho um livro, lançado em 2001, fui patrocinada pela Secretaria Mun. de Cultura, mas a edição está esgotada (gracías). E trabalhos publicados em várias antologias, mas, mesmo assim... é o caminho das pedras.
besitos