quinta-feira, 7 de março de 2013

Asas do Desejo



O filme Asas do Desejo (do original alemão “Der himmel über Berlin” que, na tradução literal, seria o céu sobre Berlim), dirigido por Wim Wenders, é um grande clássico do cinema mundial. Uma obra fundamental no contexto da dramaturgia alemã, eleita pela revista Times como uma das cem películas mais importantes de todos os tempos. Embora o enredo se atenha ao período do pós-guerra, engana-se quem julga que o filme é datado, já que se vincula a um fato histórico delimitado cronologicamente.
O argumento conta a história de dois anjos invisíveis que sobrevoam continuamente os céus de Berlim, provavelmente desde tempos imemoriais. Eles olham e analisam o comportamento dos seres humanos: a angústia e a desesperança de uma cidade dividida por um muro. A função dos anjos é “escutar” o desejo, os pensamentos, sentimentos e emoções dos berlinenses, que não sabem que são observados, ou melhor, percepcionados por essas personagens invisíveis. São pensamentos que expressam profunda solidão e nostalgia, que remetem ao abandono e a uma solidão quase concreta em sua densidade.
Um dos anjos, Damiel, está profundamente infeliz com sua condição angélica, por assim dizer, que, embora brindada com a eternidade, é desincorporada do mundo que ele percebe tão avidamente. Vale lembrar que perceber, percipere, do latim, significa apreender pelos sentidos, algo impossível para um ser desencarnado.
O tema central do filme é, justamente, o desejo incorpóreo – que marca toda a história, exprimindo profundamente a incapacidade de representação do desejo, cuja condição é falta, a invisibilidade. No filme, como na vida, aparece como algo flutuante.
Quando Damiel se apaixona pela trapezista, Wenders está falando do infinito desejando o finito, do transcendental aspirando à materialidade, da eternidade em busca do que é fugaz, da única narrativa possível: a narrativa da vida de um homem – ser histórico.
Aí reside a mágica e o segredo do filme: as personagens de As asas do desejo dizem  de nós, do que somos como seres históricos; nossa vida é uma narração, estamos nos escrevendo à beira de um passado de mentiras (a história contada pelos vencedores), um presente que surge como a Berlim do pós-guerra, em ruínas, e um futuro que não se encarna nunca. 
Hoje, além dos anjos, o muro também é invisível, mas tremendo em sua realidade desincorporada, indestrutível.  
Asas do desejo, vale a pena ver, rever, rever, rever...


segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Poesia

poesia não 
se apressa não 
perde a hora não
usa relógio no
pulso pulsa
no átimo poesia
está sempre por
um triz

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Sobreviver, renascer


Como versejou Carlos Drummond de Andrade, a esperança sempre funciona no limite da exaustão, daí o ano novo ou qualquer outra celebração que traga em si a ideia de recomeçar. Esse é um dos poucos ritos que nossa sociedade iconoclasta preservou, o tal conceito da “virada”, que, aliás, dá nome às festas de final de ano.

O velho bordão “ano novo, vida nova” é usado por muitos como um mantra, uma expressão mágica com poderes para reinventar a realidade. Mas, no decorrer de janeiro se descobre que a montanha não se abriu ao grito de abracadabra. O ano não é novo, é velhíssimo (velhaco?), traz na cara falsa as cicatrizes de milênios; a sua voz repete, incessantemente: não há nada de novo debaixo do sol.

Por mais que desejemos, o calendário gregoriano – que fatia o tempo em anos, meses, dias e horas – não rege a experiência, não rege o tempo de que somos feitos. Os escravos do mercado e do consumo querem nos convencer a adorar os relógios e o que eles representam. Mas os poetas, ah, os poetas! Eles insistem que a vida não se submete aos calendários.

Paul Valery, poeta que sempre me ensina a sonhar, diz, da vida: “ela é esse movimento misterioso que, pelo desvio de tudo o que acontece, transforma-me incessantemente em mim mesmo”. Essa, sim, é mensagem que vale a pena transmitir.

O ano não se renova, é um conceito frio que se esgota na “folhinha” que marca os dias, cujo destino é o lixo. Mas, a vida é outra história. É coisa que nunca envelhece, pois jamais deixa de existir em estado embrionário, estado de promessa.

De nada adianta um ano supostamente novo, se a vida for velha. Daí o extraordinário preceito cristão do renascimento: quem não nascer de novo não pode entrar no reino de Deus. Peço licença poética à doutrina, para dizer que tampouco pode viver no reino dos homens, pois quem não se inventa de novo a cada manhã tem o destino das coisas que, por sua natureza, perecem e são descartadas.

Eu sei que as marcas do tempo me habitam. Sei que recomeçar é arte da imprecisão, é fruto da árvore do imprevisto. É o contraponto de viver em estado de fotografia, condenada ao mesmo ângulo, à mesma pose, à segurança da mesmice.

Por isso, não importa a minha idade, sou uma criança de peito, acabo de nascer. Aconchegada ao seio da vida, sou sobrevivente do ano que se acabou, fui replantada em 2013 e tenho a esperança de envelhe(SER).

E vocês, leitores, sobreviveram? Se a resposta for sim, feliz você novo!