domingo, 19 de dezembro de 2004

LIre sur internet

http://www.site-magister.com/livrint.htm
Ótimo site. Oferece links para homepages de um grande número de escritores, poetas e filósofos franceses. Links para bibliotecas internacionais e otras cositas más.

Cyberjúlia*


Júlia já não me é. Desse lado da máquina, observo-a enquanto se afasta. O seu olhar, seu sorriso, atravessam a tela fria. Como responder a pergunta: deseja salvar a figura antes de fechar a janela?
Todos os dias o mesmo medo agarrando-me pelo pescoço, esse iceberg nascendo nas vísceras, congelando meus membros. Agora, nesse exato momento, Júlia não está mais presente, dobrou a esquina do ciberespaço escapando ao meu desejo, instaurando em minha vida o tempo da espera. Tudo nela é suposição e linguagem. Júlia, substantivo abstrato, existe para além de mim mesmo, indefinidamente!
Preciso do socorro imediato de uma bebida qualquer. O seu olhar, aprisionado na memória do HD, me revela as milhares de mulheres que ela me quer ser. Será aquela que eu escolher. Semana passada veio na pele de Açucena, açucena-do-mato, esclareceu. As palavras, as palavras são meus braços, minha boca, meu pênis ereto. Só tenho palavras para acariciá-la, com palavras eu a penetro e a faço minha.
Há uma mulher de carne, ossos e sangue, ao alcance de minhas mãos. Basta que eu escolha a opção: desligar o computador; basta que eu abra a porta do meu quarto, basta que... Sim. Eu posso acordá-la. Posso transar com ela, chamando-a “Júlia” , silenciosamente. Posso, mas não quero.
A bebida me permite relaxar, embora desate o fluxo da memória. Há oito meses estamos juntos. Júlia, a máquina e eu. Ela não acredita, mas, quando a conheci, era a primeira vez que eu entrava num “chat” , uma sala de conversas online. Bem que a minha avó dizia que a curiosidade matou o gato.
Eu usei o nick “professor” : é o que sou e desde a primeira vez foi a imagem do que suponho o meu eu verdadeiro que projetei para ela; justamente o nick atraiu-a. Professor de quê? O seu nick: figo-da-índia . Seria sempre assim, feito fruta ou flor, que eu a encontraria.
Quer teclar comigo, jasmim-do-imperador? Conversamos, ou melhor, teclamos por mais de um mês antes que eu a convencesse a me dizer seu nome. Ela me deu uma lista com sete nomes, disse-me que escolhesse um. Decidi que seria Júlia. Telefona pra mim, por favor, uapê-da-cachoeira! Preciso ouvir a sua voz, andá-açu, meu taiuiá...
Ouvir-lhe a voz a tornaria mais real ? Indagou-me. Perguntei-lhe se era botânica, bióloga, uma velhinha de 70 anos apaixonada por jardins e pomares? Não, nada disso. Apenas alguém escrevendo uma dissertação de mestrado sobre as relações virtuais. O chat, seu campo de pesquisa. E eu, minha dilênia, meu sapatinho-do-diabo, seria eu sua cobaia?
Não que eu recusasse o papel! Que ela praticasse a vivissecção, que manipulasse, anatomicamente, as minhas emoções, transformando-as em capítulos da sua tese. Só não me diga adeus, minha marianeira, meu amor com gosto de pimenta-do-mato. O medo de pressioná-la e desse modo perdê-la, obriga-me a enviar-lhe apenas um e-mail por dia: flordeseda@nutte.com.br .
Telefonou-me, uma madrugada. Só podia ser setembro. Amor-perfeito, identificou-se. A sua voz, carregada de açúcar-mascavo, arrastou lembranças de eu-menino. Conte-me, onde você existe? Em que estado, em qual cidade a sua imagem desencarnada da máquina se incorpora a um corpo de mulher?
Foi então que me disse porquê resolvera manter-se em contato comigo. Ora, na adolescência estivera apaixonada por um professor de história , como eu. Além do mais, ela já teclara com centenas de chatmaníacos e nunca antes encontrara um que houvesse lido James Joyce, que cultuasse Mário Faustino, que amasse Lispector, como ela. Motivos suficientes, não é mesmo?
Enviou-me uma fotografia, isso foi antes que começássemos a fazer amor e depois do primeiro telefonema; a essa altura eu não precisava do reforço de um retrato, estava completamente envolvido. Tampouco foi a descoberta do seu sorriso, brotando de uma boca em floração, a cor dos cabelos, a exposição das suas pernas e braços no monitor que desencadearam o meu desejo. “Desejo físico da alma”, já definiu o poeta Fernando Pessoa.
Flor-da-paixão, toco você, acaricio os seus braços, beijo a sua boca, tiro o seu vestido, flor-de-amores. Oh, meu deus, eu quero o calor da sua pele. Sim... eu sinto o seu toque, me abraça., tâmara-do-deserto. Agarrados um ao outro, digito palavras entrecortadas que lhe dizem o que estou fazendo com o seu corpo. Você escreve, ofegante: vem.
Temos à nossa disposição todos os verbos. Reinventamos a linguagem dos sentidos. Eu a penetro com todas as letras, gozamos em todos os dialetos! Isso, descansa, minha fruta-de-anel, fica aqui, pertinho de mim, marquesa-de-belas...
Isso é só o que tenho. Errado. Isso é tudo o que preciso. Além desse medo mesclado à certeza de que uma sexta-feira qualquer Júlia não virá. Parece-mas-não-é, o nick que usou hoje, exalava o perfume do adeus anunciado.
Fixando intensamente os seus olhos que não me vêem, apanho uma das margaridas no vaso sobre a escrivaninha. Com delicadeza, começo a desfolhá-la: bem-me-quer, mal-me-quer, bem-me-quer, mal-me-quer...

Sandra R. S. Baldessin

*Coletânea de contos "Capitus?" -2003
** imagem captada em wwww.decembergallery.es.htm

sábado, 18 de dezembro de 2004

Pai dos burros

Rating:
Category:Books
Genre: Nonfiction
Author:vários
Esse é o carinhoso apelido que damos àquele livro enorme, de páginas fininhas, cheio de palavrinhas deliciosas que, eventualmente, se transformam em poemas, preces, letras de músicas, notícias de jornal. A quantidade de dicionários que existe hoje no mercado é enorme: dicionário de informática, de termos médicos, de bioquímica, essa lista não tem fim e acaba de ser engrossada por uma publicação de peso: um dicionário de mulheres!
Uma editora de dicionários, líder no segmento na Alemanha, lançou, em outubro, uma espécie de guia, “Alemão-mulheres – mulheres-alemão”, que traduzirá para os alemães as falas das mulheres, ou melhor, o que (eles supõem) está dito nas entrelinhas dessas falas. O grupo Langenscheidt, muito conhecido por seus respeitados dicionários de língua estrangeira, editou um guia que traduz frases femininas desconcertantes como "Vamos ficar abraçados" (a tradução, segundo o guia, seria: "sem sexo hoje, por favor!").
Os capítulos são divididos por assuntos que oferecem dicas de comportamento e revelam as obscuras mensagens ocultas nas frases mais corriqueiras do cotidiano, segundo o editor chefe da Langenscheidt.
Como sou o tipo de leitora para quem um pingo é letra, fico logo imaginando que este projeto é um tanto afrontoso para nós mulheres. Primeiro, porque generaliza situações e padroniza o comportamento feminino. Segundo, porque, como diria Haroldo de Campos, tradução é traição, já que é impossível ser fiel ao pensamento do autor, que dirá a pretensão de interpretar o sentido das nossas falas sem levar em conta, por exemplo, a expressão corporal, elemento fundamental para esse tipo de análise. Terceiro, porque reforça a tese de que somos complicadas e incompreensíveis, diga-se de passagem, para a grande e indiscutível sorte dos homens, afinal, que tediosa seria a vida se não fossem os nossos mistérios?
Segundo a agência de notícias Reuters, o tal dicionário já vendeu milhares de exemplares e, com menos de um mês de seu lançamento, já está no prelo a 3ª. tiragem - espero que seja uma conspiração feminina para tirar os livros do mercado. Bom, pelo menos o livro não foi escrito pelos americanos, aí sim teríamos uma versão brasileira fresquinha nas livrarias, no máximo até janeiro próximo.
Por enquanto, preserva-se o direito dos homens brasileiros de lerem e interpretarem suas mulheres usando o antigo método da tentativa e erro, e, assim, estamos todos salvos da monotonia.

Sandra R. Sanchez Baldessin

domingo, 12 de dezembro de 2004

ABRALI - Entreletras


http://www.abrali.com/015coluna_direita/sandra_baldessin/eliane_potiguara.html
Este mês, em minha coluna Entreletras, no portal da Associação Brasileira de Literatura, entrevisto a escritora indígena Eliane Potiguara, cuja história de vida vale a pena conferir, clicando na biografia.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2004

Momentos Especiais

Rating:★★★★★
Category:Other
“Paiê, ela existe?”

Saí para caminhar no Lago Azul, hábito diário, mesmo sob um chuvisqueiro leve que prometia transformar-se em uma chuvarada de verdade. Embora já passasse das dezoito horas, o espaço do Lago estava ocupado pela criançada e seus pais, tios, amigos, que foram participar da chegada do Papai Noel; vindos dos bairros mais distantes da cidade, estiveram participando de atividades recreativas o dia todo. Caminhando mesmo, apenas eu e um outro rapaz que também não dá folga para as pernas nem aos domingos.
Picolé e algodão doce para todo lado, balões coloridos e, principalmente, as feições encantadas das crianças, provocaram-me uma sensação de nostalgia, trazendo à lembrança outras épocas, outros natais. Esse tipo de sentimento é muito comum e incentivado nesse período do ano; refletindo sobre essas coisas, remexendo o baú do imaginário, continuei meu exercício, deixando o pensamento vagar.
Chegando em frente ao Centro Cultural, havia uma outra movimentação, bem diferente daquela observada no lado oposto do Lago Azul, onde se concentravam as crianças que vieram aguardar a chegada de Papai Noel. Provavelmente, haveria uma apresentação de balé e, dos automóveis estacionados no local, desciam as crianças e seus pais. Lindas meninas, com suas fantasias caprichadas.
Próximo, estava um homem arriado na calçada, cercado de um grupo formado por três garotas, com idades, talvez, entre os 6 e os 9 anos; desejei que ele não estivesse tão bêbado a ponto de não conseguir reconduzir as meninas para casa.
De repente, desce de um automóvel uma fada. Uma visão vestida de tule branco, luvas de cetim, minúsculas flores douradas bordadas na saia do vestido e uma coroazinha de pedras coloridas enfeitando a cabeça mimosa; nas mãos, a varinha de condão.
A menina mais nova, cujo pai estatelado na calçada estava alheio a tudo, se pôs a perguntar, a voz frenética de criança emocionada: “Paiê... paiê, ela existe?” Dava tapinhas no ombro do homem, puxava a camiseta, tentando chamar sua atenção: “Ela é ‘qui nem’ o Papai Noel que existe ‘mais num’ existe, hem paiê ?” Perguntava, apontando para a garota com fantasia de fada.
A fada caminhava assistida pelo cortejo familiar, enquanto a menina gritava sua pergunta repetidamente aos ouvidos surdos do pai. Não sei se foi essa minha alma de poeta que vê significado em tudo, mas a cena e, sobretudo, a frase “existe mas não existe”, desvendaram aos meus olhos esses dois brasis tão diferentes que um deles parece ao outro que não existe.
Seguindo o impulso, sorri para a fada e sua mãe ao mesmo tempo que pegava a mão melada de sorvete da menininha e lhe explicava que sim, a outra garota era tão real quanto ela; temi o gesto, que felizmente não veio, de recusa e afastamento. As mãos das meninas se tocaram, a varinha de condão trocou de mãos, por alguns segundos.
Deixando as duas para trás, continuei o meu caminho, pensando nas tantas coisas que existem mas não existem, como o Papai Noel, as fadas, os objetos mágicos das estórias fantásticas... Lembrei-me das palavras do poeta mexicano, Octavio Paz: “Em minha utopia política nem todos são felizes, porém todos são responsáveis”. Esta sim, é uma varinha de condão possível, viável: a responsabilidade social.
Lembrei-me, ainda, de uma brincadeira dos meus tempos de garota, que retrata, em sua simplicidade, a história desigual das crianças brasileiras: “Eu sou pobre, pobre, pobre, de marré, marré, marré... eu sou pobre, pobre, pobre, de marré, dessi...”
Para quem é aprendiz, a vida está cheia de lições.

terça-feira, 7 de dezembro de 2004

Aprendiz de Alice


Foi caminhando em direção à música. Não... não fora a música que primeiro o atraíra e sim o perfume. Os aromas de flores e ervas mesclados. Ladeou o canteiro de cravíneas, aproximando-se cada vez mais da casa de onde fluíam sons de risadas e conversas. Aquelas vozes! Há quanto tempo não as ouvia.
Sabia que ao atravessar a soleira da porta Alice viria ao seu encontro. Primeiro,chegaria o seu sorriso, a boca de tangerina, que ele se apressaria em devorar. Imediatamente ela colocaria em suas mãos alguma bebida gelada, os olhos pregados nos dele, tanto que ele experimentaria uma vertigem verde, como se matas e horizontes o penetrassem pela fenda do olhar.
O salão iluminado, o assoalho de tábuas compridas e brilhantes, enceradas até à exaustão, os vasos de cristal. Que cenário seria este?
Não se deteve na pergunta pois Alice já o chamava para dançar; um bolero... Por qual fresta do passado escapara aquela canção? Segurando as mãos dela viu de relance o anel de noivado, a esmeralda solitária que lhe oferecera há tantos anos atrás. Impossível!
O calor do corpo de Alice interrompeu suas reflexões. Meu Deus! Com que paixão ele a amava. A condição de noivos permitia que ele a abraçasse mais ousadamente, o seu próprio corpo submetido à tensão de um desejo quase insuportável. E Alice, plena da música, o rosto colado ao seu. Inquieta!
Ele observava, perplexo, o desfile dos rostos familiares das pessoas com as quais convivera por tantos anos: Tia Inácia, a solteirona que nunca abrira mão dos vestidos enfeitados e juvenis; Aluísio, com seus pulmões fracos, jamais tirava o casaco; os gêmeos, seus irmãos mais velhos; repentinamente, avistou-a sentada na poltrona, o eterno xale cobrindo as pernas, o olhar incisivo, fixo nele. A bisavó de Alice, D. Conceição. Comia canapés, mastigando-os devagarinho, como fazem os velhos.
“Não se case com ela. Alice possui o sangue rascante como vinho...o peito inquieto; ela ainda não sabe disso, apenas pressente sua própria fúria.”
Conselhos vãos. Quantos anos depois lembrara-se deles? Sem arrependimento.
Fora maravilhoso perder as esperanças ao lado dela. Fiel ao seus próprios anseios, ela o assustou desde a noite de núpcias quando, ao invés de dar, tomou.
A natureza, sábia, negou-lhe os filhos que ele tanto desejava, mais como uma forma de torná-la mais sua. Sua? Os cristais tilintando, a esmeralda brilhando no dedo delicado.
Demorou a entender que havia mais Alices do que as que poderia compreender, mas amou-as, todas elas, com uma ternura plena de renúncia. Dormia com uma, acordava com outra. Dormindo, ainda não era dele, embora o corpo abandonado ficasse à sua mercê por algumas horas. Ele mesmo não adormecia sem prendê-la (o seu corpo inanimado), agarrando-a pela cintura sempre esguia.
A primeira vez que ela cortou os cabelos bem curtos acreditou que finalmente partiria. Temeu, sabendo que a presença de tal ausência o sufocaria, implorou que ficasse, não precisava explicar mais nada, nunca mais ele faria perguntas, que mentisse, que fosse infiel, mas pelo amor de Deus, não levasse a boca de tangerina, o jeito de virar o pescoço, a risada de menina, não levasse para longe dele a vertigem verde do seu olhar. Ela apenas sorriu, abrindo braços e pernas para agasalhá-lo e acabar com seus medos. Conselhos vãos.
A música e o perfume. As vozes rompendo as barreiras do dia de ontem. Longos os anos das Alices, umas sucedendo-se às outras, procissão interminável. Amou nela todas as mulheres que poderiam tê-lo feito feliz, mas não com o tipo de felicidade desesperada que ela lhe ofereceu.
O aroma das flores mesclado com ervas. A esmeralda, brilhando ainda, nos dedos que se fizeram frágeis e trêmulos; nunca estranhou os cabelos brancos dela, a teia de rugas finas que se formou em torno dos olhos verdes, era mais uma Alice para adorar. Agora sabia, com certeza, que não lhe seria dado compreendê-la.
Morta, desejou-a com uma saudade infinita. Levou consigo a esmeralda para o aconchego da terra. Que cenário seria este?

Sandra R. S. Baldessin


* Esse conto foi um dos vencedores do Mapa Cultural Paulista - Categoria Literatura/Contos, 2002. Consta de uma antologia publicada pela Editora Universitária de Lisboa.
* imagem: obra do artista mexicano Ariel Pañeda Macías; disponível em www.urocirugia.com/cultura.htm

domingo, 5 de dezembro de 2004

Concerto de Contrabaixos

Rating:★★★★★
Category:Music
Genre: Other
Artist:Sexteto Tropical
Meu amigo Jaime tem uma coluna diária no Jornal Cidade, aliás, ele deveria entrar para o Livro dos Recordes - uma crônica por dia durante mais de 14 anos, o cara é fera. O nome da coluna é TOQUE RÁPIDO e partilho com vocês a crônica de hoje, sobre um concerto que assistimos juntos na última sexta-feira.

Sexteto de Contrabaixos

Seis músicos em cena com seis contrabaixos. Nada mais inusitado.O contrabaixo é um instrumento que o corpo toca e que também toca o corpo como num abraço. Abraço musical. O corpo gigante do contrabaixo e o corpo musical do contrabaixista.

Tivemos sexta-feira, no Ginástico, durante o 26º Concerto do Advento, a oportunidade raríssima de assistir a um concerto de contrabaixos.

É claro que um acontecimento desses é mais do que musical. Porque o contrabaixo, pelo seu tamanho avantajado, propõe uma dança, uma performance, uma teatralidade que vai além de um tocar tradicional. E isso se torna possível quando não se está em uma orquestra sinfônica, em que o contrabaixo é mais um em cena.

Seis contrabaixos e seis contrabaixistas, todos exímios músicos, proporcionam um espetáculo sonoro extraordinário. No começo, os contrabaixos parecem tímidos, discretos, não soltam a sua voz de dentro de suas cordas vocais-musicais. De repente, eles nos tomam por completo. E aí entramos no clima um tanto surreal de seis contrabaixistas e seis contrabaixos dialogando com o nosso prazer sensorial, de ver, de ouvir, de perceber algo de desconcertante nos tirando da mesmice e nos colocando em um espaço muito especial, o mundo dos contrabaixos, aí já não há mais resistência nenhuma.

O francês Tibo Delor, radicado no Brasil já há vários anos, formou em 2002 a Orquestra de Contrabaixos Tropical, que é o sexteto, e a partir daí, seis músicos

experientes, que conhecem profundamente a sonoridade de diversos instrumentos, fizeram imersão total nos contrabaixos, e conseguiram revelar para a nossa platéia e as demais que o contrabaixo é um instrumento mais rico em timbres e sonoridades do que poderíamos imaginar.

É possível extrair do contrabaixo os sons mais inesperados. E os músicos: Tibo, Beto Vianna, a quem já conheço há bastante tempo, Zé Alexandre Carvalho, Clóvis Camargo, Gustavo D`Ippólito e Neimar Dias, com humor, expressões de cômicos e de mímicos, nos levaram pelos mais diversos meandros da música e dos sons, no espetáculo “A Nota Filosofal”.

Em “Motos”, eles transformam os seus instrumentos em motocicletas, e viajam nelas, e os contrabaixos emitem ruídos de motor e de buzinas, numa disputa sonora incrível.

“Casa Forte”, de Edu Lobo, em arranjo de Beto Vianna, é um dos momentos mais expressivos do espetáculo, que teve muitos outros momentos vibrantes.

Eu estava totalmente imerso naquele mar de contrabaixos, quando a Sandra, ao meu lado, me despertou: -Olha aquela mulher de bobes. “Uma montanha de bobes”, segundo uma garota que também estava ali perto.

Perfeito. Num concerto de contrabaixos, nada mais normal do que uma mulher com muitos bobes na cabeça. Você acha normal um concerto de contrabaixos? A quantos você já foi até hoje?
Imperdível.

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Jaime Leitão é cronista, poeta, autor teatral e professor de redação.

TOQUE


Se me tocas,
toco o tempo materializado,
o sal abstrato
de palavras obscuras.

Se me tocas,
desencadeias a fúria
das estrelas
e a lua renasce,
virgem,
no céu negro da tua íris.

Se me tocas,
as flores desabrocham,
o mato cresce,
a terra produz seu fruto,
a vida se faz nova.

Se me tocas,
me torno a mulher que sou:
pão, vinho, azeite e mel;
transubstanciação
da natureza!

Sandra R. S. Baldessin

*imagem disponível em: www.univision.com.es/rociodiluna