segunda-feira, 20 de junho de 2005

Dúvida*



Todo mundo vê.


 


o corpo comprado


corpomarca


logocorpo


pornomito


explícito.


 


(excita o cheiro


da revista)


 


trancado no banheiro


alguém se pergunta


se a alma


tem.


bunda?


 


 


Sandra B.


 


*recebi essa imagem por e-mail, acompanhada de uma piadinha, o poema surgiu depois de algumas reflexões sobre os usos que temos dado ao corpo.

Palestra do Ivan Capelatto

Rating:★★★★★
Category:Other
O Amor em tempos de sobrecarga


Na quinta-feira passada, tive a oportunidade de ouvir uma palestra do psicanalista Ivan Capellato, que trabalha especialmente com crianças e jovens, e que esteve em Rio Claro convidado pelo Colégio Koelle. A palestra foi proferida no próprio colégio e contou com uma grande platéia, que, sem dúvida, ficou cativa do carisma e da didática demonstradas pelo palestrante na abordagem do interessante tema – “Amor em tempos de sobrecarga”.
Ivan Capellato trouxe a definição do que seria esse “tempo de sobrecarga”, o momento que vivenciamos na contemporaneidade: tempos difíceis onde, em todas as áreas da vida em sociedade prevalecem o individualismo, a competitividade e a violência, dificultando o estabelecimento de vínculos afetivos e comprometendo o pleno desenvolvimento emocional de crianças e adolescentes.
Algumas das estatísticas predominantes nesse “tempo de sobrecarga”, apresentadas por Ivan, são muito alarmantes, como por exemplo, a informação da Organização Mundial de Saúde de que o Brasil é o segundo país do mundo no que se refere ao consumo de drogas pesadas e também em relação ao suicídio de crianças e jovens (só na região de Campinas foram 208 mortes entre janeiro e maio). Para o psicanalista, essa questão do suicídio está intimamente ligada aos desequilíbrios afetivos.
O único antídoto possível contra esse desequilíbrio é o amor que se traduz na “mesmice do cuidado” – expressão usada por Ivan, para quem, cuidar é a única forma de amor possível. Nesse contexto, o amor-cuidado surge como a maior herança que os pais podem deixar aos filhos. Não se trata de somente “investir” nos filhos, visando torná-los individualistas e competitivos, mas de estar presente e cuidando, de não ser indiferente à necessidade de apego e à angústia que deriva dessa necessidade e precisa ser satisfeita no vínculo afetivo que permite “estruturar uma identidade capaz de suportar a sobrecarga”.
Essa espécie de amor-cuidado é ridicularizada nos tempos de sobrecarga. Os pais que cuidam, muitas vezes são acusados de não contribuírem com a autonomia, a independência dos filhos que, por sua vez, também se tornam alvo de piadinhas. A verdade é que a insegurança dos tempos de sobrecarga e a falência da afetividade têm levado os adolescentes e os jovens à prática de um comportamento cada vez mais destrutivo, demonstrando que os vínculos humanos não podem ser substituídos por mercadorias, as quais, supostamente, supririam necessidades que só o amor pode suprir.
Ivan Capellato finalizou sua explanação afirmando que os tempos de sobrecarga configuram a “sociedade da descrença”: não se acredita mais na ética, nos valores, nos princípios de convivência e reciprocidade, inclusive no seio das famílias. Perguntado se há formas de reverter essa situação, respondeu-nos que não sabe. Uma resposta honesta.
Saí da palestra com a certeza de que, enquanto indivíduos e sociedade, a única possibilidade de sairmos desse túnel escuro onde estamos é reaprender o amor-cuidado, reaprender a amar o próximo como amamos a nós mesmos, o que, para mim, significa admitir e confirmar a dignidade do próximo, seu valor como ser humano não-descartável, pois todos os outros valores só são realmente valores quando estão a serviço da dignidade humana. O contrário disso é o retorno ao caos.


Sandra R. S. Baldessin

domingo, 19 de junho de 2005

A vingança dos objetos - Cantos V e VI


V

no corpo

verde da árvore

à sombra petrificados

os nossos corpos

letras abraçadas

dentro do

coração

 

VI

não sobrevivemos

à árvore que

se demora

assombrados

de prematuros

agoras

 

Sandra B.

 

imagem: "Amer" - de Maria Amaral, 2001.

Divina Nélida

Rating:★★★★★
Category:Other
Nélida Piñon é uma das escritoras de língua portuguesa que mais me cativa. Li toda sua obra e considero que a qualidade do seu texto só fez melhorar ao longo dos anos. Nélida, que foi a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras, acaba de receber um importante prêmio literário, como lemos na reportagem de Anelise Infante, diretamente de Madri:

A escritora Nélida Piñon foi anunciada vencedora nesta quarta-feira do Prêmio Príncipe de Astúrias de Letras. Superando outras 30 candidaturas de 31 países, a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras passa a ser também a primeira representante da língua portuguesa a ganhar essa condecoração.
O prêmio será entregue em outubro pelo príncipe Felipe de Bourbón, herdeiro do trono espanhol, numa cerimônia especial de 25 anos da Fundação Príncipe
de Astúrias.
Na celebração, a Unesco vai declarar a premiação como Patrimônio Cultural da Humanidade.

Grupo seleto

A escritora carioca de 68 anos entra para o seleto grupo de vencedores ao lado de Günter Grass, Arthur Miller, Susan Sontag e Mario Vargas Llosa.
Ela receberá um cheque de 50 mil euros (aproximadamente R$ 150 mil) e uma
escultura do artista plástico espanhol Joan Miró.
O júri composto por 20 intelectuais espanhóis definiu a obra de Nélida Piñon como um "trabalho destacado em defesa dos direitos humanos e principalmente dos direitos das mulheres" e também como a escritora "mais importante da sua geração".

Um brinde a Nélida.








quarta-feira, 15 de junho de 2005

Vossas Excelências que se...


Trabalhando numa pesquisa acerca dos usos e costumes vigentes nas antigas monarquias européias, deparei-me, casualmente, com a descrição minuciosa das medidas adotadas nas circunstâncias em que funcionários do governo (vamos chamá-los assim) fossem surpreendidos em atos explícitos de corrupção.


Cativou-me particularmente a atenção o fato de que incompetência por parte dos mesmos era considerada corrupção passiva. Há uma lista interminável de “procedimentos” que se reuniam sob o rótulo de corrupção, os quais não vejo necessidade de citar; qualquer indivíduo que lê jornais regularmente sabe do que se trata.


Em alguns desses reinos e principados, qualquer cidadão possuía a divina liberdade de apresentar queixa ao tribunal competente contra o tal corrupto. E o melhor: o julgamento do sujeito se realizava publicamente, não enre os seus pares.


Porém, o que literalmente me deliciou, foi a quantidade de punições, todas muito criativas, às quais o corrupto estava sujeito. Desde uma mera advertência até um pedido público de desculpas, passando por pagamentos de multas e indenizações e, pasmem, uma categoria de punição denominada  “humilhação física”. 


A humilhação física consistia em que o cidadão lesado, aproximando-se do corrupto em questão, cuspia-lhe na cara, demonstrando todo seu desprezo; quanto maior o número de cidadãos lesados, maior a carga de cusparadas. Não havia empáfia que resistisse ao tratamento! 


Numa sociedade na qual todos eram considerados culpados até que conseguissem provar o contrário, torna-se fácil compreender porquê quase ninguém almejava um emprego público, a contratação chegava a ser compulsória. 


Hoje, inversamente, somos todos inocentes perante a Lei. Vai daí que...deputados, senadores, ministros, juízes e inclusive presidentes da república praticam o cinismo impunemente.  E todo o mundo anda atrás de um “cargo”, de um apadrinhamento, porque vale tudo no feirão do poder, até mesmo comprar votos dos supostos aliados!          Certamente, não defendo uma volta à barbárie. Acredito nas conquistas da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas. Principalmente, na premissa que afirma que todos os homens são iguais perante a Lei. Infelizmente, na prática, a teoria é outra. Temos assistido ao exercício de uma democracia amoral, ou, como definia Mencken – o jornalista mestre da ironia – temos assistido a “administração do circo a partir da jaula dos macacos”.  


 


Sandra R. S. Baldessin


               


 


 

sábado, 11 de junho de 2005

Favo de pele


abelha -
quero-te laranjeira:
aprender
a lição do mel
na ponta da
língua.
 
Sandra B.
imagem: "Contre peau" de Maria Amaral, 1999.
 

Babel*


Língu
ágeis
confundidas
corpos de
papel
das letras
entretecidas
reinventamos
babel
 
Sandra B.
imagem: Tendresse II, de Maria Amaral, 2001.
 
 

Memórias de mis putas tristes

Rating:★★★★★
Category:Books
Genre: Literature & Fiction
Author:Gabriel Garcia Márquez
As putas tristes de Gabriel

A tradução da novela de Gabriel Garcia Márquez – Memórias de mis putas tristes - será lançada no Brasil, pela Record, neste mês de junho, e já é um best seller. Mesmo a edição original, em espanhol, bateu recordes de venda nas livrarias brasileiras e é preciso lembrar que ler Garcia Márquez em seu próprio idioma consiste em prazer dobrado.
Há mais de dez anos o escritor colombiano não publicava uma novela, inclusive, cogitou-se que a obra seria memorialista, porém, mais uma vez Gabriel Garcia Márquez revela a maestria de seu estilo narrativo, que praticamente reinventou a literatura colombiana, nos brindando com uma história que cativa nosso imaginário e captura os nossos sentidos, tanto quanto os inesquecíveis “Cem anos de Solidão” e “Ninguém escreve ao coronel” – obras-primas da Literatura.
“Memória de mis putas tristes” narra a história de um homem de noventa anos que recorda os seus dias mais gloriosos, no auge de sua exuberância sexual. A personagem, um homem apaixonado por leitura e música, é periodista do “Diário de La Paz” e resolve encerrar sua entrega aos prazeres carnais festejando seu aniversário de 90 anos de uma forma insólita: através de uma nova experiência amorosa: “Nesse ano, em que completo noventa anos, desejo presentear-me com uma noite de amor desenfreado com uma adolescente virgem” *
Ao se dar esse presente, um corpo feminino cuja beleza não atingiu a maturidade, ao apropriar-se da pureza desse corpo, ele estaria oferecendo uma espécie de troféu à própria masculinidade. Assim, num bordel barato do caribe colombiano ele conhece Delgadina, menina de catorze anos que está se iniciando na profissão.
Entre os dois vão se criando laços e, noite após noite, o periodista nonagenário visita o bordel, onde passa suas madrugadas velando o sono da menina, cantando e contando a ela histórias como “O Pequeno Príncipe” e “As mil e uma noites”.
Gabriel Garcia Márquez cria uma atmosfera de ternura e desejo mesclados à desesperança da velhice e é impossível não relembrar os cenários descritos pelo escritor japonês Yasunari Kawabata no belíssimo romance “ A Casa das belas adormecidas”, livro que também lança um olhar literário sobre a sexualidade dos anciãos.
A exaltação amorosa que vive com Delgadina começa a se traduzir nos artigos que publica semanalmente, transformando-os em pungentes cartas de amor que começam a ser lidas na rádio local.
A narrativa tem momentos de grande intensidade poética: “Sempre acreditara que morrer de amor não fosse mais do que uma licença poética. Porém, aquela tarde, regressando à sua casa, onde não o esperavam nem o gato e nem a menina, comprovou que não apenas era possível morrer de amor, mas que ele mesmo, velho e sem ninguém, estava morrendo de amor.” **
A leitura de “Memória de mis putas tristes” traz de volta as personagens apaixonantes do escritor, a sua escritura vigorosa, que demonstra o tratamento cuidadoso que o autor dá à expressão narrativa, usando-a como instrumento de sedução do leitor.


Sandra B.

*traduzido por mim
** idem

quinta-feira, 9 de junho de 2005

A vingança dos objetos - Canto VII


já foi sangue

a saudade e

vinho e

carne maturada

já foi tango

e fome

 

hoje é

esse retrato

desencarnado que

não me vê

 

Sandra B.

 

 

 

*imagem: Accords d'amants, obra de Maria Amaral, 2001.

sábado, 4 de junho de 2005

Ganchos


eu adoro o mar e gosto de me imaginar barco...

Ganchos é uma aldeia de pescadores, distante uns 25km de Florianópolis, no município Gov. Celso Ramos. As fotografias foram feitas em março, nas minhas férias. (ai que saudade!)

Releitura*


Guardo
na palma
da mão
o secreto texto;
tocando-me,
releio
em minha pele
a tua história.
 
Sandra B.
 
*Coletânea Poestesia, 2003.
Imagem: Tatouage I de Maria Amaral; 2001.
 
 

sexta-feira, 3 de junho de 2005

A vingança dos objetos - outro canto



não um poema


que te cantasse


árvore pedra sino


antes um poema


que calasse


os rubis


na tua boca


de silêncio


e fome


um poema


que se negasse


 


Sandra B.

Ana Jansen

Rating:★★★★★
Category:Books
Genre: Romance
Author:Rita Ribeiro
Ana: mito e memória

Ana Joaquina Jansen Pereira. Esse é um nome desconhecido para a grande maioria dos brasileiros, porque, quando se estuda e se ensina História do Brasil o foco se concentra, sobretudo, na história dos homens brasileiros, a história oficial que cabe na grade curricular. Mesmo os inúmeros livros, publicados a partir da década de 90, abordando a história das mulheres no Brasil têm a circulação restrita aos meios acadêmicos.
Por outro lado, a Literatura tem dado uma grande contribuição para que algumas figuras femininas legendárias se tornem mais conhecidas dos brasileiros, e foi através do romance da escritora maranhense Rita Ribeiro* que conheci Ana Jansen.
Ana Jansen viveu durante o reinado de D. Pedro II e Rita Ribeiro debruçou-se sobre imensas pilhas de documentos e teses que analisam essa época para construir uma ficção calcada num impecável pano de fundo histórico. Essa Ana, mulher plena de si mesma, tornou-se conhecida como Rainha do Norte e do Nordeste do Brasil – marcando sua presença nos cenários sócio-políticos maranhenses que, na época, era uma das províncias mais importantes do império.
Em torno da personalidade poderosa e do comportamento arrojado de Ana Jansen foi elaborado todo um folclore, que Rita Ribeiro utiliza habilmente na construção de sua trama. Quem foi Ana Joaquina Jansen Pereira? Rita entrega a narrativa à voz de um poeta - e quem mais cantaria tamanha musa?
Na noite quente de São Luís passeia um poeta e sua poesia evoca a imagem de uma mulher que se sabia inteira e que extraía dessa sublime consciência de sua integridade o seu poder, exercitado em todas as outras áreas de sua vida. O poeta se infiltra no espaço mágico da memória e tece aos nossos olhos o fantasma presentificado de Ana: a bela mulher trajada em negro, o decote audacioso revelando o adereço de ouro e diamante: seu brasão rebrilhando entre os seios.
O poeta conta a história de uma lutadora arrojada que, nascida rica, ficou na miséria, mas, firmada em seu orgulho e força, acabou se transformando no maior líder do Partido Liberal (que fazia oposição ao Império), sendo considerada, muitas vezes, como um inimigo inexorável. “...mulher apaixonada que nunca abdicou de viver plenamente sua afetividade e sua sexualidade...Maldita ou abençoada por todos os deuses? Carismática ou despótica?
Enquanto mulher e leitora, o que mais me atraiu na figura de Ana Jansen é o fato transparente de que para assumir uma posição relevante no contexto político e social de sua época ela não admitiu que sua vida fosse cindida em compartimentos estanques, comportamento padrão entre as mulheres contemporâneas, particularmente aquelas que alcançam êxito em suas carreiras. Não havia uma Ana dividida em função dos papéis sociais que desempenhava, antes, havia uma mulher que se impunha como tal em tudo que fazia, não aceitando ser paráfrase de si mesma, por isso Ana Jansen foi uma mulher de poder.
Ao desvendar Ana, me lembrei do poema de Edmilson Pereira: “A mãe que nos teve /é nossa filha/(...) ela pôs nosso umbigo /sob as rosas/ na porteira/ A beleza em nós é forte.”Ana se identifica com um inquietante arquétipo feminino: o das mulheres que se guiam pela paixão, cuja sensualidade seduz e apavora aqueles que convivem com elas.
Nas palavras de José Louzeiro, que apresenta o romance, Ana Jansen se mostra como a rainha que “...em nome do poder e da glória, negociou um lado da alma com Eros e o outro com Satanás.” O último representando o ódio e a morte, que também a seguiram de perto.
Eros e Tanatos compondo uma sinfonia entranhada na pele - hoje feita de letras e memória, de uma brasileira admirável.

Sandra B.

*Ana Jansen, romance de Ana Ribeiro. Editora Record, 2000.



quinta-feira, 2 de junho de 2005

A vingança dos objetos


Canto I

 

alforriei

os teus canários

primeiro

depois

soltei os laços

do vestido

voei.

 

Sandra B.

 

 

 

 

 

                                                                                                              *imagem: escultura de Juan Tejerina