domingo, 26 de setembro de 2004

Três poemas marítimos


MARESIAS

Além de mim
o mar:
diamante
líquido
útero e
abraço.
Ondas de
amar e
eu-sereia
indolente
aperto as
coxas
algemada ao
teu silêncio.

MAR
"verdes letras bravias"

Letras
não te exprimem
concreto
substantivo -
não-palavra;
substância e
deslinguagem.

Soletrando as
tuas vagas
o olhar
desaprende a
sintaxe.

MIRANDUM II

mar
temática
verde
geo
métrica
mente
assimilada
em vagas.


Sandra R. S. Baldessin

Imagem: fotografia tirada em Boracéia, litoral norte de São Paulo

sexta-feira, 24 de setembro de 2004

Amor L�quido - Sobre a fragilidade dos la�os humanos

Rating:★★★★★
Category:Books
Genre: Nonfiction
Author:Zygmunt Bauman
Minha paixão pelo texto de Bauman dura alguns anos e vem se fortalecendo a cada novo livro publicado por esse instigante intelectual polonês. Zigmunt Bauman é reconhecido como um dos mais prestigiados estudiosos do mundo pós-moderno, sendo considerado um especialista na análise do cotidiano.
Seu mais recente livro – Amor Líquido – mais uma vez revela-nos o seu olhar agudo focado nos relacionamentos estabelecidos na “Modernidade Líquida”, título de outra de suas obras. Em Amor Líquido, Bauman constata a fragilidade dos laços afetivos e investiga a flexibilização das relações humanas e o quanto essa flexibilização têm contribuído para gerar níveis cada vez mais insuportáveis de insegurança.
A paisagem humana que Bauman esboça em Amor Líquido é dolorosa, e seu olhar sobre as “experiências amorosas” vivenciadas pelos sujeitos pós-modernos é bastante crítico, como fica claro na observação: “Em vez de haver mais pessoas atingindo mais vezes os elevados padrões do amor, esses padrões foram baixados”. Bauman constata o “desaprendizado do amor” e avalia as suas graves conseqüências que ultrapassam o plano das relações amorosas e familiares para atingir a sociedade, o lócus urbano, impossibilitando que aprendamos a ser verdadeiramente humanos. Bauman ensina que o preceito do amor ao próximo é o ato fundador da humanidade: “a sobrevivência de um ser humano se torna a sobrevivência da humanidade no humano”.
O longo processo de desaprendizado do amor, em nossa líquida sociedade, relaciona-se à vivência e formas de relacionar-se que obedecem aos princípios do consumismo, que se “caracteriza não por acumular bens”, e, sim, por “usá-los e descartá-los”, freneticamente. O homo consumens vê o seu próximo como um objeto de consumo, inclusive os seus próprios filhos, transformados em “objetos de consumo emocional”, nos quais investem tempo e recursos, e cujo valor é determinado pelo custo do investimento, já que “os filhos estão entre as aquisições mais caras que o consumidor médio pode fazer ao longo de toda a sua vida.”
Amor Líquido nos apresenta um cenário aterrador ao relatar os perigos que ameaçam o convívio humano, mas, não se converte em uma obra sombria, antes, faz um “alerta revigorante”, lembrando que “em nenhuma outra época a intensa busca por uma humanidade comum, assim como a prática que segue tal pressuposto , foi tão urgente e imperativa como agora”.
Espero que essa resenha aguce o apetite dos leitores. Conhecer Ziygmunt Bauman é uma aventura das mais emocionantes.

domingo, 19 de setembro de 2004

Sherazade


Guardo entre as
pernas
um livro.
Cem mil anos
não bastarão
para que o decifres...

Cartilha, sobre a qual
debruçado,
aprendes cegamente
o alfabeto
mesmerizante
dessa peletra...

Manual para desaprender
outros corpos
que já foram
capítulos do teu,
letramorfoseando-os
no meu.

Catálogo das delícias,
das mentiras
que prometo,
escrevendo-as com
lâmina febril
no teu imaginário.

Bula do remédio
que te avisa -
perigo: veneno;
(in)consciente tragas
além da dose que cura
a doçura que mata.

Evangelho profano
pelo qual rezas
(ritual pagão)
a oração primitiva,
sobre o altar de pedra
que chamamos Vida!

Sandra R. S. Baldessin

domingo, 12 de setembro de 2004

Não grite...Escreva!


Navegando pela internet, deparei-me com a versão virtual de um jornal francês, muito interessante: “Les militants de la solidarité” – “Os militantes da Solidariedade”, onde li a notícia que compartilho com os leitores, depois de traduzi-la, e claro, lançar sobre ela um olhar bem brasileiro. O endereço do sítio na rede, caso alguém queira ler mais: http://www.humanite.presse.fr
A notícia em questão relata que o escritor francês Ricardo Montserrat realizou um experiência inédita. Durante quatro meses, ele coordenou uma oficina literária no norte da França, em Roubaix, envolvendo 17 desempregados que tinham entre 17 e 53 anos. Do ponto de vista econômico, a região de Roubaix vem sofrendo muitos reveses; as grandes empresas que contribuíram para tornar próspera a cidade e aquela região – principalmente as indústrias têxteis – têm fechado as suas portas nos últimos anos, umas após as outras, transformando em desempregados dezenas de milhares de assalariados que, depois de algum tempo, não tiveram outra alternativa a não ser disputar o RMI (uma espécie de salário mínimo, bem mínimo mesmo, o qual podem pleitear os que não têm mais direito ao salário desemprego) ou, como sabem muito bem os brasileiros, virar mágico e sair fazendo truques para sobreviver.
Esta França que estamos apresentando, a França não gosta nem um pouco de mostrar ao exterior. Independente disso, ela existe e a situação de Roubaix não é nenhum fenômeno isolado: atualmente, no país dos Direitos Humanos, existem centenas de milhares de pessoas vivendo em condições indignas. Porém, nas manchetes dos jornais, anuncia-se por todo lado que as enormes empresas nacionais nunca tiveram tanto lucro. Quem será que “eurolucra” com essa desinformação?
Uma das características mais trágicas e marcantes destas situações é o silêncio que as cerca, encobrindo-as. Os desempregados, na França, devido a um poderoso condicionamento cultural, se calam, oprimidos pela vergonha e pela culpa. Freqüentemente, mergulham numa depressão profunda, que acaba por se tornar crônica, afinal, lá não tem carnaval onde eles possam sambar as mágoas.
Os desempregados franceses, vítimas de uma depressão silenciosa, como que se apagam, tornando-se transparentes, pois o país não quer que eles sejam vistos, ouvidos. O escritor Ricardo Montserrat compara esta opressão ocasionada pelo neoliberalismo (guardando as proporções devidas) à ditadura que ele conheceu quando vivia no Chile e participava da resistência cultural ao regime de Pinochet. Em ambos os casos, trata-se de reduzir ao silêncio os que são submetidos a uma ordem injusta.
Através da oficina de literatura com os trabalhadores desempregados, Ricardo buscou, sobretudo, quebrar esse silêncio, permitindo que esses esmagados pelo sistema retomassem a palavra. Mas ele ousou ir mais longe. Ousou, com estes homens e mulheres, escrever um verdadeiro livro para que esta fala se espalhasse, para que muitas outras pessoas pudessem se reconhecer nela, para que, desfeito o nó na garganta, a fala dessas pessoas se revestisse de força, expressando uma denúncia.
O livro acabou sendo publicado sob a forma de um romance, através da prestigiada coleção Série Noire, da Gallimard, sob o título “Ne crie pas” - “Não grite". Embora seja uma narrativa fragmentada, devido ao singular processo de elaboração, impressiona por sua intensidade e cumpre seu propósito de dar voz ao grito daqueles que, em qualquer país onde estejam, sobrevivem à margem do sistema que não privilegia como fundamental o desenvolvimento humano.


Sandra R. S. Baldessin


*Imagem: captada no sítio do Grupo Trastorns d'Ansietat.



terça-feira, 7 de setembro de 2004

Caçador-coletor


Ele me abordou e perguntou o que eu estava lendo. Minha primeira reação foi de surpresa assustada: se um desconhecido cercá-lo na rua, imediatamente você se lembrará das estatísticas da violência. Todos os dias terás medo do teu semelhante acabou se transformando na tradução de ama a teu próximo como a ti mesmo. Aliás, esse mandamento tornou-se muito perigoso, a julgar pela quantidade de pessoas com problemas de auto-estima que circulam por aí.
O maltrapilho, carregando um saco nas costas, despertou a mais atávica lembrança da infância – a avó materna assombrando as netas com a figura do “homem do saco”, entidade demonizada que poderia nos causar um mal nunca definido com palavras. Olhei para o homem, esconjurando os fantasmas e respondendo à sua indagação: são poemas, poemas do Cláudio Daniel. Julguei que surpreenderia nele um olhar vazio, mas não.
Conheço muitos poetas, afirmou. Por algum motivo, talvez sua fluência verbal, não duvidei. “Gostaria de ler um poema”. É duro admitir, mas pensei que eu não gostaria que ele tocasse em meu livro, nós não temos idéia de como somos insuportavelmente normais e assépticos até nos depararmos com uma situação dessas. “Você lê o poema, então.” Ele deve ter lido a minha hesitação.
“sou tigre/entre tigres/com tiques/de mico-leão”. Eu li os versos e olhei para o meu interlocutor, que fez um gesto de assentimento com a cabeça coberta por um boné imundo e recitou uma bonita trova, que, infelizmente, não me lembro para reproduzi-la aqui. Foi-se embora, o andarilho, deixando-me inquieta.
Fiquei pensando se nesses homens não restou, intacta, a herança dos nossos ancestrais, os nômades caçadores-coletores e, se restou, o que coletam e caçam esses andarilhos, enquanto nós, os “normais”, corremos atrás do tempo, ajuntamos dinheiro, acumulamos estresse, morremos enfartados...
Além dos prejuízos à saúde física, a vida sedentária, centrada na propriedade e no saldo bancário, está nos roubando algo de muito valor, ligado à nossa vida mais verdadeira: já não somos mais caçadores-coletores, já não saímos à procura dos paraísos possíveis. É disso que estamos morrendo, de uma espécie de banzo que temos de nós mesmos, de nossa capacidade de sonhar e estar sempre buscando.
De repente, me ocorreu que, árvores, temos lançado as nossas raízes em terrenos muito áridos, onde não florescem versos nem sonhos. Aquele andarilho e o seu desejo de poesia revelaram o caçador-coletor oculto em mim, renovaram a tão necessária incerteza que pode motivar a busca daquilo que é essencial coletar.
De minha parte, espero ser o andarilho daqueles que lêem essa crônica.

Sandra R. S. Baldessin

*foto: mulher da tribo Xokleng (sul de Santa Catarina) últimos caçadores-coletores do país.




















segunda-feira, 6 de setembro de 2004

Perdas e Ganhos

Rating:★★★★
Category:Books
Genre: Nonfiction
Author:Lya Luft
Relutei, antes de comprar o livro. Tantos comentários ouvidos, a maioria positivos, outros, bastante depreciativos. Confesso que tive medo que o meu “ídolo literário” me mostrasse os seus pés de barro, afinal, tínhamos uma longa convivência, que começou em 1980, com o romance “As parceiras” e atingiu o seu ápice em 1996, com o inesquecível e muitas vezes relido “Rio do meio”.
Que me perdoem os que nunca desfrutaram as delícias da paixão pela leitura, aqueles que nunca leram um texto cativante de um fôlego só, para depois “economizar”, quase no final, assaltado pela consciência de que o autor levaria pelo menos mais um ou dois anos para nos satisfazer com outra de suas histórias, mas, o meu temor era dos mais legítimos.
Enfim, comprei o livro. Foi direto para a cabeceira da cama, lugar cativo de todas as obras de Lya Luft, há mais de duas décadas. Não iniciei a leitura de imediato. Pensei no e-mail recebido da amiga Sylvia Tresca: “finalmente a sua querida Lya escreveu alguma coisa que a maioria dos mortais entende.” Estaria nascendo uma “Lya light”? “Mar de Dentro”, publicado em 2002, já se revelara uma escrita mais leve, como não poderia deixar de ser um livro de resgate das lembranças da infância, mas com o vigor do seu traço literário predominante que aparece, por exemplo, na pergunta: “A imaginação sem restrições seria uma viagem sem volta? Ninguém – nem eu mesma – me encontraria nunca mais.”
Comecei a leitura de “Perdas e Ganhos”, que ocupa há vários meses o topo da lista dos livros mais vendidos no país, pelo último capítulo: “Eu quis escrever um livro pequeno e prático sobre a permanente reinvenção de nós mesmos.” Não encontrei, é fato, a fala profunda da grande ficcionista. Em compensação, encontrei uma mulher serena, buscando transmitir sua serenidade conquistada a tantas outras mulheres. Talvez, até com alguns dos psicologismos ou fórmulas de auto-ajuda de que a acusaram alguns críticos. Uma Lya reinventada, que se atreve a nos dar conselhos, não do alto de seu triunfo literário, mas como o sujeito indeterminado que somos todos, nos mirando os olhos, uma “Secreta Mirada” que, mais uma vez, faz dos leitores os seus cúmplices.
Se a Literatura, enquanto conceito e teoria, perdeu alguma coisa, há que se considerar a relação risco-benefício: essa nova legião de leitores conquistados ganhou muito. Sobretudo, ouvidos para ouvir uma das mais importantes vozes da literatura brasileira.
Entre perdas asseguradas e ganhos possíveis, Lya Luft, acredito, conseguiu o que se propôs com esse texto: “Vem refletir comigo, vem me ajudar a indagar.”

Sandra R.S. Baldessin

sábado, 4 de setembro de 2004

Est�vamos todos l�



Por virtudes da mem�ria, esse software sofisticado que instalaram em nosso c�rebro, ou por quaisquer outras artimanhas, o fato � que me lembrei de minha av�, dizendo como nunca mais esquecera a roupa que vestia e o que estava fazendo, no momento em que ouvira pelo r�dio as terr�veis novas sobre Hiroshima. N�o tinha essa coisa de via sat�lite, n�o, que permite ao cidad�o assistir o massacre dos seus semelhantes, confortavelmente instalado na poltrona da sala, �beliscando� uns petiscos e tomando uma cervejinha gelada.
Abuelita, como a cham�vamos, n�o sabia nem nunca soube nada sobre a fiss�o do �tomo; mas sempre soube tudo sobre a irmandade dos homens, por isso, ao descrever o acontecido naquela cidadezinha da qual antes nunca ouvira falar, ela dizia: �� como se eu estivesse l�.�
Pois foi disso que me lembrei, no momento em que a televis�o come�ou a veicular as imagens do horror de Beslan. E nunca antes o dito de minha av� teve um significado t�o penetrante. Vivenciando um momento de aguda percep��o, tive a certeza de que realmente est�vamos todos l�.
A dor de um homem � a dor de todos os homens, atrav�s de todos os s�culos, ultrapassando as barreiras de tempo e espa�o. Est�vamos todos l�. Nos campos de concentra��o nazistas, em Hiroshima, em Ruanda, kossovo, na Arm�nia e, agora, em Beslan. Cada qual transubstanciado no seu semelhante.
A reflex�o sobre esses fatos desdobrou-se num questionamento que partilho com os leitores: a igualdade s� � poss�vel na dor? Parecem-me t�o unas, as m�es israelitas e �rabes que choram por seus filhos, as m�es brasileiras cujos filhos foram atingidos por balas perdidas, as m�es de Beslan... T�o irmanadas na perda, na aus�ncia de explica��es para o cotidiano tr�gico! Ser� que o humano se auto-engendra nos momentos de aniquila��o?
Eu n�o tenho respostas, sou do tipo que prefere as perguntas. Tamb�m n�o cultivo certezas, a n�o ser as certezas at�vicas, aquelas impressas no DNA da ra�a. Nesse sentido, estou certa que, no plano da iman�ncia, no qual vivemos, somos indivis�veis. Ningu�m precisa pregar a globaliza��o da dor: n�s a conhecemos desde sempre.
Onde n�o h� consolo poss�vel, que haja, pelo menos, poesia: eu quero o humano toque daqueles que latejam como eu!

Falo de Mulher

Rating:★★★★★
Category:Books
Genre: Literature & Fiction
Author:Ivana Arruda leite
Das Falas de Ivana
Sandra Regina Sanchez Baldessin
Um dos livros mais instigantes que li nos últimos tempos foi escrito por Ivana Arruda Leite, escritora paulista, nascida em Araçatuba, que tem confirmado sua presença na cena literária nacional. Ivana, que é socióloga e atualmente vive em São Paulo, já publicou dois livros de poemas e, em 1997, lançou seu primeiro livro de contos: “Histórias da Mulher do Fim do Século” (Editora Hacker), além de participar em algumas das mais importantes antologias de contistas brasileiros publicadas recentemente. O livro ao qual me refiro como instigante, publicado pela Ateliê Editorial, em 2002, conduziu-me a uma reflexão: tem sexo a escrita? Tem voz o sexo condicionado pela moldura de uma sociedade falocêntrica? Utilizando a palavra como objeto de penetração, Ivana nos chama às falas no seu “Falo de Mulher”.
Realizando um trabalho de “desencantar a mente”, cada personagem de Ivana revela a falsa fragilidade e submissão do sexo feminino, mostrando-nos que esses conceitos são meras construções do tempo, alinhavadas por credos, civilizações patriarcais e modos de ser que prevaleceram contra o bom senso.
As mulheres de Ivana são impróprias para o consumo, na medida em que não se deixam “coisificar” como objetos estéticos ou domésticos. Fazem-nos lembrar de Adrienne Rich com “When We Dead Awaken” (Quando nós, as mortas, despertamos); da garganta de uma de suas “dolores” nasce o grito do eterno feminino: “por que só eu tenho que andar na linha?”
Ivana Arruda Leite vem para perturbar o cânone das autoras mais ou menos domesticadas, “escrevidas” e se escrevendo à imagem e semelhança da divindade trina: masculino, raça branca, heterossexual. As suas mulheres nos permitem repensar o papel e a fala das personagens femininas que andam se inventando no cotidiano trágico das famílias, das relações mães e filhos, macho e fêmea.
Em “Receita para comer o homem amado” Ivana nos permite uma incursão pela sexualidade feminina e pela oralidade, transportando-nos para um universo sensorial primitivo onde “no princípio tudo era boca”. Em que circunstância o lençol da noite de núpcias foi substituído pela toalha de mesa? “Devore tudo com talher de prata”. Cama e mesa, juntas, são representativas do casamento; Ivana, com declarada ironia, nos remete ao simbolismo da mesa e da alimentação relacionado à sexualidade feminina: comer ou ser comida, eis a questão!
Na outra face da mesma moeda, temos Adélia, cujas zonas erógenas foram todas transferidas para as papilas gustativas: “não me tire o único prazer que me resta na vida” ela implora para o homem que já não monopoliza o seu desejo, se é que algum dia o fez. Adélia, cujo sentido de carência se transformou num vazio devorador, traduzido em uma fome que não encontra pão nos corpos dos homens.
“Isabel, a princesa” é outra que tem fome: “a princesa nunca teve prazer no sexo” - retrata a vida insípida das mulheres que nunca contraíram dúvidas.
Raquel, Laura Christina, Berenice, Luísa, existe uma cadeia associativa entre todas essas mulheres; cada uma delas, de um certo modo, ultrapassou o ponto do não-retorno, deixando-se enredar nas fantasias de mulheres refinadas, inflamadas, introvertidas, perturbadas, mulheres com necessidades do absoluto, porque, afinal: “Mulher é tudo igual”.
Aos leitores dessa coluna, dou o conselho do Djavan, numa de suas belas canções: “um dia frio, um bom lugar pra ler um livro”; o livro de Ivana Arruda Leite, é claro.