sábado, 4 de setembro de 2004

Falo de Mulher

Rating:★★★★★
Category:Books
Genre: Literature & Fiction
Author:Ivana Arruda leite
Das Falas de Ivana
Sandra Regina Sanchez Baldessin
Um dos livros mais instigantes que li nos últimos tempos foi escrito por Ivana Arruda Leite, escritora paulista, nascida em Araçatuba, que tem confirmado sua presença na cena literária nacional. Ivana, que é socióloga e atualmente vive em São Paulo, já publicou dois livros de poemas e, em 1997, lançou seu primeiro livro de contos: “Histórias da Mulher do Fim do Século” (Editora Hacker), além de participar em algumas das mais importantes antologias de contistas brasileiros publicadas recentemente. O livro ao qual me refiro como instigante, publicado pela Ateliê Editorial, em 2002, conduziu-me a uma reflexão: tem sexo a escrita? Tem voz o sexo condicionado pela moldura de uma sociedade falocêntrica? Utilizando a palavra como objeto de penetração, Ivana nos chama às falas no seu “Falo de Mulher”.
Realizando um trabalho de “desencantar a mente”, cada personagem de Ivana revela a falsa fragilidade e submissão do sexo feminino, mostrando-nos que esses conceitos são meras construções do tempo, alinhavadas por credos, civilizações patriarcais e modos de ser que prevaleceram contra o bom senso.
As mulheres de Ivana são impróprias para o consumo, na medida em que não se deixam “coisificar” como objetos estéticos ou domésticos. Fazem-nos lembrar de Adrienne Rich com “When We Dead Awaken” (Quando nós, as mortas, despertamos); da garganta de uma de suas “dolores” nasce o grito do eterno feminino: “por que só eu tenho que andar na linha?”
Ivana Arruda Leite vem para perturbar o cânone das autoras mais ou menos domesticadas, “escrevidas” e se escrevendo à imagem e semelhança da divindade trina: masculino, raça branca, heterossexual. As suas mulheres nos permitem repensar o papel e a fala das personagens femininas que andam se inventando no cotidiano trágico das famílias, das relações mães e filhos, macho e fêmea.
Em “Receita para comer o homem amado” Ivana nos permite uma incursão pela sexualidade feminina e pela oralidade, transportando-nos para um universo sensorial primitivo onde “no princípio tudo era boca”. Em que circunstância o lençol da noite de núpcias foi substituído pela toalha de mesa? “Devore tudo com talher de prata”. Cama e mesa, juntas, são representativas do casamento; Ivana, com declarada ironia, nos remete ao simbolismo da mesa e da alimentação relacionado à sexualidade feminina: comer ou ser comida, eis a questão!
Na outra face da mesma moeda, temos Adélia, cujas zonas erógenas foram todas transferidas para as papilas gustativas: “não me tire o único prazer que me resta na vida” ela implora para o homem que já não monopoliza o seu desejo, se é que algum dia o fez. Adélia, cujo sentido de carência se transformou num vazio devorador, traduzido em uma fome que não encontra pão nos corpos dos homens.
“Isabel, a princesa” é outra que tem fome: “a princesa nunca teve prazer no sexo” - retrata a vida insípida das mulheres que nunca contraíram dúvidas.
Raquel, Laura Christina, Berenice, Luísa, existe uma cadeia associativa entre todas essas mulheres; cada uma delas, de um certo modo, ultrapassou o ponto do não-retorno, deixando-se enredar nas fantasias de mulheres refinadas, inflamadas, introvertidas, perturbadas, mulheres com necessidades do absoluto, porque, afinal: “Mulher é tudo igual”.
Aos leitores dessa coluna, dou o conselho do Djavan, numa de suas belas canções: “um dia frio, um bom lugar pra ler um livro”; o livro de Ivana Arruda Leite, é claro.


Um comentário:

Augusto Sales disse...

Ivana � bacana.

Est� lan�ando um livro novo em novembro, acho.

Fique de olho.