terça-feira, 26 de dezembro de 2006

Garou, Daniel Lavoie & Patrick Fiori "Belle"




No vídeo, a canção Belle, do musical Notre Dame de Paris, interpretada por Garou, Daniel Lavoie e Patrick Fiori.

domingo, 12 de novembro de 2006

Imensa asa sobre o dia

Rating:★★★★★
Category:Books
Genre: Literature & Fiction
Author:Antonio Mariano
Ouvi, certa vez, a afirmação que é mais fácil escrever um romance ou novela do que um conto. Concordo. Escrever um conto que consiga se apropriar das estruturas narrativas e, através delas, produzir um efeito singular no leitor não é tarefa fácil. E, observem, o termo ‘tarefa’, nesse caso, é muito pertinente.
Antonio Mariano, escritor paraibano, poeta consagrado, com seu Imensa asa sobre o dia, livro de contos que integra a Coleção Tamarindo, revela-se um excelente contista.
Imensa asa sobre o dia reúne 13 contos; os protagonistas de todas as histórias são nomeados Jailson, pelo autor. A paixão pela origem dos nomes me obriga a referir que, se Jah é o nome de Deus, as personagens de Mariano trazem o estigma de todos os filhos de Jah: a inexorabilidade da condição humana.
Particularmente, (já que sou viciada em Tchekhov – supremo mestre de todos os contistas - e em Cortazar, seu discípulo) observei que Mariano demonstrou, já nesse primeiro livro de contos, a característica principal de um contista com potencial para se destacar entre seus contemporâneos: seus contos possuem o delicioso caráter de jogo.
Essa função lúdica presente nos contos de Mariano se revela em toda sua expressividade no conto A construção do silêncio. O enigma doloroso da convivência humana surge no jogo de ‘gato e rato’ estabelecido entre o pai e o filho. O conto se dá justamente no momento em que as mentiras essenciais que sustentam essa delicada relação se tornam insuficientes, no instante limiar em que “é tarde para desistir”, como a própria personagem observa.
Aliás, o sentido de compreensão tardia de coisas fundamentais para a sobrevivência das personagens permeia todas as histórias e esse fator contribui para ampliar a imagem de jogo presente nos contos. Em Seguindo Alice, sobretudo, a crueldade embutida no conceito de ‘tarde demais’ se cumpre plenamente.
Assistimos as personagens se movimentando no tabuleiro labiríntico que Mariano construiu especialmente para elas e tentamos adivinhar se atinarão com a saída. Ilusão vã que alimenta os filhos de Jah.
Desde as pequenas mazelas até os grandes crimes e insuportáveis alvoroços da alma e do corpo, tudo que é comum ao homem está presente nos Jailsons de Antonio Mariano.
Destaco, ainda, dois dos contos mais instigantes da coletânea: O poeta e O dia em que comemos Maria Dulce. Em O poeta Mariano recupera um desejo surrealista: a possibilidade de viver como poeta, de poetizar a vida, ainda que jamais tenhamos escrito qualquer verso. Um pacato e invisível funcionário público enlouquece (ou chega à razão suprema) e se declara, irreversivelmente, poeta. O conto, em sua aparente simplicidade, revela a condição marginal do poeta e da poesia na sociedade contemporânea.
O dia em que comemos Maria Dulce foge ao realismo presente em todos os outros contos. Mariano utiliza recursos do gênero fantástico-maravilhoso para nos conduzir numa viagem insólita ao reino da fome e das pulsões inimagináveis: “Podia sentir o mormaço do corpo dela... O hálito que era como o bafo de um bolo assando, uma porção de caramelo saindo pelas bordas do tacho, um pudim fumegante, um doce de leite dando o ponto. (...) Minha boca encheu-se d’água.”
E mais não digo. Leiam o livro.

(Crônica Literária, Sandra B.)

A vingança dos objetos


XV Canto

lençóis no
varal
a tarde
branca se
alastrando em
nossos corpos -
velas ao
mar

Sandra B.

 

Imagem: Vênus e Marte. Boticelli. Disponível em:
http://pintoresfamosos.juegofanatico.cl/images/botticelli/venus_marte.jpg

Caribay e as cinco águias brancas


Description:
Essa história faz parte da mitologia dos Mirripuyes (antiga tribo da região dos Andes venezuelanos).
Integra uma coletânea de contos de tradição oral de vários povos, fruto de uma pesquisa temática que estou realizando e que aborda o tema paixão.

Ingredients:
Caribay e as cinco águias brancas
Tradução de Sandra R.S. Baldessin

Directions:
Esta é a história de Caribay, a primeira mulher criada. Ela era filha do ardente Zuhé (o Sol) e da pálida Chía (a lua). Caribay era formosa, manifestava-se como um gênio das florestas aromáticas. Podia imitar perfeitamente o canto dos pássaros e suas companheiras eram as flores e as árvores, com as quais passava os dias em alegres brincadeiras.
Certo dia, Caribay olhava o céu quando viu cinco esplêndidas águias brancas. A beleza de suas plumas despertou a paixão na linda jovem que começou a seguir as águias por todos os lugares, atravessando vales e montanhas, seguindo, incansável, as sombras das aves que se desenhavam no solo. Afinal, chegou a um lugar muito alto, e desse local pode ver que as águias desapareciam nas alturas azuladas do firmamento.
A tristeza tomou conta do coração de Caribay, pois ela desejava ardentemente adornar-se com as plumas das águias. Então, Caribay ergueu a sua voz e clamou por Chía, sua mãe. Não demorou muito e as águias surgiram novamente diante de seus olhos úmidos de lágrimas. Enquanto as imponentes aves voavam harmoniosamente, Caribay cantava com toda doçura, para atraí-las.
As águias, então, encantadas pelo som adorável do canto de Caribay, se quedaram, imóveis no ar. Carybay aproveitou essa imobilidade e correu até elas, para arrancar-lhes as penas, que sua paixão exigia que possuísse. Porém, um frio glacial petrificou suas mãos antes que ela pudesse alcançar as águias. Percebeu, então, que as aves, enfeitiçadas por sua voz, ao deixarem de voar ficaram enregeladas e se converteram-se em cinco enormes massas de gelo.
Caribay gritou, aterrorizada. Pouco depois, Chía se obscureceu e as cinco águias despertaram. Furiosas, sacudiram as suas penas imaculadas e, assim, toda a extensão da montanha se engalanou com a belíssima plumagem branca.
Os blocos de gelo do qual se libertaram as águias originaram as incomparáveis serras nevadas da Mérida. As águias simbolizam os cinco picos eternamente cobertos de neve, que são as plumas congeladas das aves. As grandes e tempestuosas nevadas que ocorrem no local são um cerimonial da natureza, que relembra o furioso despertar das águias. O sibilar do vento que acompanha a fúria das nevadas representa a doçura e a tristeza do canto de Caribay.

Imagem: Caribay e las aguias. Escaneado de "Mitos y leyendas de Latinoamerica.

segunda-feira, 18 de setembro de 2006

Mahura - a lenda da menina trabalhadeira


Description:
Este é um belo mito africano, que gosto muito de contar. Vamos brincar de faz-de-conta que estamos numa roda, em torno de uma fogueira, tecendo as lembranças de uma vida que já vivemos.

Ingredients:
Um dia, numa tribo distante, em tempos remotos lá na África, um grupo de crianças perguntou ao velho e sábio sacerdote o porque de o céu ser tão belo e estar tão longe da terra. O sacerdote em sua sublime sabedoria contou-lhes uma história que é mais ou menos assim: “Quando Deus criou o universo, o céu e a terra viviam juntos e em perfeita harmonia. As nuvens brincavam no chão junto às pedras. O vento divertia-se pregando peças nas folhas das palmeiras que dançavam ao som da brisa suave. As gotas de chuva misturavam-se às águas das cachoeiras e quase não se percebia a diferença entre os elementos do céu e os da terra. Essa harmonia perfeita durou muito tempo.
Um dia a terra resolveu que havia chegado a hora de ter um filho, pois sendo a terra era a geradora da vida. E a terra teve uma filha a qual deu o nome de MAHURA (que significa aquela que trabalha). Mahura cresceu depressa e como seu nome dizia era muito trabalhadeira.
Durante o dia, Mahura cuidava dos ciclos da natureza e, à noite, ao invés de descansar sentava-se ao chão perto de um enorme pilão onde passava a triturar raízes, sementes e cascas. O pilão era mágico e quanto mais era usado, mais crescia. Mahura usava uma enorme mão-de-pilão para triturar as raízes e cada vez mais utilizava força para bater.
Com isso começou a machucar o céu que a princípio gemia baixinho mas, depois não suportando as dores causadas pela mão-de-pilão de Mahura, passou a reclamar. Mahura apenas dizia: Céu, sobe só um pouquinho... Com isso o céu foi se distanciando cada vez mais chegando ao ponto de as nuvens não alcançarem mais o chão para brincar nem as gotas de chuva conseguiam mais molhar o solo que foi enfraquecendo e empobrecendo. Só então a pequena Mahura se deu conta do que havia feito e decidiu pedir desculpas ao céu para que ele voltasse.
Procurando um presente a menina retirou do leito de um rio que teimava em correr uma pepita dourada à qual deu o nome de sol. Do fundo de uma caverna escura retirou uma pedra branca e reluzente à qual deu o nome de lua. Atirou os presentes bem para o alto, um de cada lado do céu como pedido de desculpas. O céu aceitou os presentes, mas decidiu ficar lá no alto, pois era mais seguro.
Se vocês pensam que essa é apenas uma história, hoje à noite olhem para o céu. As estrelas que verão, brilhando, nada mais são do que as cicatrizes deixadas pelo pilão de Mahura.
Assim o velho sábio terminou sua história.



Directions:
Lenda adaptada pelo grupo "Recreação Infantil"

imagem: Noche estellada. Vincent Van Gogh. Disponível em: www.arteycultura.zumodelimon.com

sábado, 3 de junho de 2006

Justiça Poética

http://www.justicapoetica.blogspot.com
Pessoas, criei um blogue para partilhar alguns poemas, alguns poetas que me são indispensáveis.

sexta-feira, 2 de junho de 2006

Resenhando Vivências

Rating:★★★★★
Category:Other
Artes da existência – em busca de uma vivência sensual

“Artes da existência” é a denominação que a antiga civilização greco-romana dava ao conjunto de conhecimentos sobre a sexualidade humana, e que foram brilhantemente analisadas pelo filósofo francês Michel Foucault em sua obra História da Sexualidade II.
É interessante observar que esses conhecimentos eram permeados por conceitos estéticos; o termo ‘estético’, aqui, não aparece limitado pela definição mais comum que assumiu no mundo contemporâneo, mas, no seu sentido mais profundo – apreensão estética, estesia (aisthesis, do grego) - ou seja, a capacidade que um sujeito possui de apreender certa realidade exterior de modo sensitivo e sensual, através do uso pleno dos seus sentidos.
A estesia antagoniza a anestesia; assim, estar estésico é abrir-se às sensações, deixar-se provocar. Quando pensamos a sexualidade dessa forma podemos entendê-la, realmente, como Arte. E, enquanto arte, o sexo tem o poder de reencantar a realidade apreendida, produzindo uma espécie de êxtase que perturba, no sentido que modifica, os significados do cotidiano. Seguindo esse raciocínio acerca da estesia e suas relações com a sexualidade, tenho observado que, de modo geral, a maioria das pessoas não procura uma vivência sensorial, relegando a sensualidade exclusivamente à vida sexual, e pior, ao momento do êxtase. Somos seres potencialmente sensuais, isto é, seres que têm à disposição o enorme potencial de um sistema sensitivo muito sofisticado e quase inexplorado. Se não desfrutarmos amplamente desta sensorialidade, nas mínimas coisas cotidianas, não atingiremos o ideal do sexo enquanto Arte, permanecendo aquém dessa possibilidade.
São muitos os fatores que nos impedem de desfrutar uma vivência mais sensual; o mais poderoso, claro, é o condicionante cultural que pretende as sensações ligadas ao corpo e aos sentidos como de somenos importância. Este condicionante domina todas as áreas da vida, roubando o caráter sensorial das nossas várias experiências: a educação já não é sensível, o jogo já não é lúdico e nossa convivência social é cada vez mais asséptica. Segundo essa lógica, até mesmo o sexo está perdendo o seu caráter sensual, pois, sensualidade nada mais é do que a capacidade de viver em estesia.
O corpo que sente é uma entidade aberta, incompleta, que só se complementa nas coisas, no mundo, no outro.
Os versos sensoriais de Pablo Neruda expressam perfeitamente essa realidade: “Eu era a sede e a fome, e tu foste a fruta.”

Sandra B.

imagem disponível em: www.lamolina.edu.pe
Esse texto foi publicado originalmente no sítio: www.gehspace.com

Poema visual

Narrativa


 


 


terra


terra terra


pé pé pé


terra terra



 t


 e


 r


 r


 a


   pó


 


Sandra B.


 

domingo, 26 de março de 2006

Anjinho de mamãe*


Caminha apressado, esbarrando mesmo nas pessoas com as quais cruza. A mão esquerda, guiada por um comando superior, risca as fachadas das casas, das lojas.  Isso é real, isso é real, isso é real. O suor escorrendo dos cabelos para o rosto, molhando o pescoço, as costas. Sente as virilhas úmidas. O suor, sim, o suor é uma prova incontestável de que ele também é real.  Real enquanto matéria viva, apodrecendo sob o sol de janeiro.


Não consegue evitar, mete o nariz nas axilas. O cheiro azedo da decomposição que um dia será plena. Sente-se nauseado de tão feliz. Se está fedendo é porque existe. Basta-lhe essa compreensão.  Assalta-o o desejo de se apalpar; vem tão intenso que é impossível resistir. Toca os próprios braços, o peito, os testículos, freneticamente.  De fato, existo. E se existo, esta rua  pela qual caminho também é real,  e aquela árvore...


            Dá uma pequena corrida até o final da calçada e abraça-se à arvore, um flamboyant.  Inspira profundamente, esfregando o nariz, o rosto, no tronco. Vontade de rir e chorar enquanto gira ao redor do tronco. A canção, lembra-se daquela canção? Cantava-se  de mãos dadas ao redor de uma árvore, num lugar tão distante chamado infância.


            Por que partira de si-mesmo-menino, deixando o aconchego de um mundo que cabia no abraço da mamãe? É verdade que recusara-se até o limite das possibilidades! Mas, os braços, as pernas, desandaram  a crescer; pêlos escuros, intrusos, nasceram em seu peito, no rosto, em seu sexo, e não adiantava mais a mãe chamá-lo “meu bebê”. 


O anjinho de mamãe não se via mais no espelho. Já não era real. Quem seria, meu deus, aquele homem de olhos negros que o fitava tão surpreso? E o medo, sim, o pavor de que a mãe descobrisse que ele não estava mais ali? É verdade que ela parecia não perceber.


E não fora sempre assim? Lembrava-se de chegar em casa chorando, porque a professora insistia em dizer-lhe: você já está um homenzinho.  Mentira que a mãe negava entre beijos: meu bebê, o anjinho da mamãe não vai crescer, venha no colinho da mamãe, venha. “Boi, boi, boi, boi da cara preta, pega esse menino que tem medo de careta...”


Um guarda municipal o aborda. Que diabos está fazendo girando feito um doido em volta dessa árvore?  Vamos, vamos, que maluquice é essa? Esta é uma cidade tranqüila, não gostamos de nenhum tipo de malucos. Vai ver... está drogado, é isso? Mas, era só o que faltava! Aqui não toleramos essas coisas, não! Apontava o dedo para o seu rosto enquanto falava e suas bochechas gordas tremiam. A voz saía estrangulada de uma boca sustentada por três queixos.


Seria real esse homem gorduroso metido numa farda azul escura? Estende a mão para tocá-lo, certificar-se de sua existência. O guarda agarra o seu braço estendido e começa a torcer. A dor é intensa. Se está doendo, então é real. Graças a Deus! Sorri, um sorriso que é uma careta de dor e de alívio e que o seu agressor interpreta como escárnio.


Seu filho da puta! Esta é uma cidade de gente normal; gente normal, entendeu? Olha ao redor, furtivamente, antes de desferir um murro nos rins do rapaz e, em seguida, outro que o atinge no nariz.  Sangue, isso é sangue... Estou sangrando porque existo. Uma onda de insuportável felicidade domina o seu coração; felicidade que se extravasa através de um fluxo incontrolável de  gargalhadas guturais.


Seu corpo está possuído de tremenda energia, a energia de saber-se real. Tenta abraçar o guarda, envolver aquela montanha de carne que tão generosamente demonstrou o quanto ele existe. Existe, na verdade, a ponto de sangrar!  Quantas vezes, trancado no banheiro, ele próprio se infringira um corte com a lâmina de barbear, desesperado, precisando do testemunho da dor e do sangue para sentir-se parte da realidade.


Oh! Como ele ama aquele ser humano uniformizado, fedendo à cachaça e torresmo!  Pensa que deveria dizer algo ao guarda, mas as palavras sempre lhe pareceram insuficientes para expressar seus sentimentos.  Fica apenas olhando-o com devotada atenção.  Sim, ele sabe reconhecer a fúria quando a encontra. Quase sempre se revela no ferro do olhar, nas mãos que se contorcem... Porém, a boca, claro, a boca é a testemunha mais fiel da ira:  antropofágica, salivante. 


Aproveitando-se do lusco-fusco, aquela hora estranha na qual as pessoas parecem desaparecer na névoa de si mesmas, o guarda arrasta sua presa até o automóvel, estacionado próximo dali. O rapaz não resiste. Acomoda-se no banco para o qual foi empurrado como se tivesse recebido convite para um passeio.


Não resiste nem mesmo quando o legítimo representante dos homens normais arranca-o com violência do veículo, esmurrando-o apaixonadamente. Caído, seu corpo jovem é chutado, a botina pesada contra suas têmporas. “Sambalelê tá doente, tá com a cabeça quebrada, sambalelê precisava, é de umas boas palmadas...”    


A lua surge por detrás das nuvens no exato instante em que o guarda, abrindo o zíper das calças, revela a faca e o pênis, explodindo num orgasmo primitivo.


Lâmina e luar, mesclados, dão ao rapaz a ilusão perfeita dos olhos afetuosos de  mamãe. Adormece, a sua voz acalentando-o. “ Dorme neném, que a cuca vem pegar...”


 


Sandra B.


 


* este é o conto que concorreu ao Mapa Cultural Paulista, mas não foi classificado para a


premiação final.

sábado, 18 de março de 2006

labirinto aquático


labirinto aquático

 

Nunca (me)

encontro a

saída do teu

    olhar

 

Sandra B.

 

Imagem: Fotomontagem de Dabbah

sexta-feira, 17 de março de 2006

letramorfoses


Para o poeta Cláudio Daniel 


 


 


  O poema 


   eclosão


inventa o poeta –


     animal


letramorfótico.


Sandra B.


 


imagem: Rio Querência  do Turvo, Paraná - abril de 2005.

Show da Zélia Duncan


da esqu. pra direita, as amigas: Nádia, Raquel, Verinha e e Li

Na 4a. feira, 15, estivemos em Piracicaba no show da Zélia Duncan: "pré-pós-tudo-bossa-band" Foi maravilhoso. Depois fomos ao camarim acompanhados do pai dela, que é um amigo querido, e aproveitamos para tietar muuuuuiiiito.

sábado, 11 de março de 2006

Mulheres que correm com os lobos

Rating:★★★★★
Category:Books
Genre: Nonfiction
Author:Clarissa Pinkola Estés
Mulheres que correm com os lobos, livro da psiquiatra Clarissa Pinkola Estés, é considerada como uma das obras mais aprofundadas e revolucionárias no que se refere ao universo e imaginário feminino, que se publicou nos últimos cinqüenta anos.
O ensaio é revolucionário e provocativo, pois questiona de forma incisiva o protótipo da mulher moderna, que compete ombro a ombro com o homem, desconsiderando o seu diferencial feminino.
Em nenhum momento, a autora desacredita o potencial das mulheres para ocupar posições de destaque na cena pública, apenas, nos conduz a uma reflexão sobre algumas coisas que foram abandonadas, como as nossas raízes mais interiores, a intuição e a criatividade, e trocadas por moedas de menor valor.
O livro traz contos da tradição oral latina e européia, e, através deles, Clarissa Estés analisa paradigmas da conduta e do comportamento feminino. A mulher que corre com os lobos, também chamada “Mulher Selvagem” ou “Aquela que sabe”, é a mulher que não se envergonha de respeitar os seus ciclos de vida, o seu lado mais primitivo, a sua espiritualidade. Uma mulher que enfrenta seus próprios medos e sobrevive às suas próprias fantasias infantis acerca dos relacionamentos, da maternidade, etc.
A autora compara essa mulher aos lobos, pois, como eles, são detentoras de uma aguda percepção, de um espírito lúdico e de enorme capacidade de afeto. As histórias narradas ao longo do livro permitem a construção de uma sólida ponte entre o cognitivo (intelecto) e o afetivo (emoções), que, juntos, compõem a base da nossa personalidade.
As narrativas também são um testemunho contra as imposições da mídia (do mercado?) no que concerne ao padrão de beleza imposto às mulheres, confirmando que, muitas vezes, já não sabemos como ser livres, já que nossa suposta liberdade (a duras penas conquistada) é definida por regras arbitrárias e políticas, que não guardam relação alguma com a nossa natureza, antes, são determinadas culturalmente.
Apesar do título, ouso dizer que não é um livro direcionado exclusivamente ao público feminino, mas a todos os seres que buscam uma vivência na qual o gozo de estar vivo seja uma conquista diária.


Sandra B.

imagem: capa da edição chilena.





quarta-feira, 8 de março de 2006

Consulado da Mulher


Nosso cenário tinha como pano de fundo a próprra natureza; utilizamos velas, água aromatizada, folhas de limoeiro e utensílios antigos de barro.

Realizei hoje mais uma oficina de contação de histórias no Consulado da Mulher (Rio Claro/SP); estamos trabalhando com o livro "Mulheres que correm com os lobos", de Clarissa Pinlola Estès. A oficina de hoje foi muito especial, pois antes de iniciarmos a história, um amiga, terapeuta corporal (Sandra Bretas) realizou uma sensibilização com as oficineiras. Também usamos cenário e a oficina foi realizada ao ar livre. As experiências têm sido extremamente enriquecedoras.

domingo, 5 de março de 2006

Entrevista

http://ABIA Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS - Entrevista bombástica.
Entrevista do Alexei. Vale a Leitura.

Iniciados


   
    Iniciados
 
 
   Nos corpos,      
     a vida.
O cheiro mesmo
     da vida –
      a rosa 
   anunciada -
   bálsamo e
 promessa de
    leitura.
 
Sandra B.
 
imagem: "La passion"

 

 

sábado, 4 de março de 2006

A mulata de Córdoba


Description:
A MULATA DE CÓRDOBA*

Ingredients:
*Traduzido e adaptado por Sandra R.S. Baldessin ©
Imagem: "La hechicera española"

Directions:
Diz uma antiga lenda que, há mais de dois séculos, vivia na cidade de Córdoba, no Estado de Veracruz, uma mulher muito formosa, que jamais envelhecia, à despeito do passar dos anos. Todos a chamavam de ‘Mulata’, por causa da cor de sua pele, dourada pelo sol. Além do mais, corria a fama de que esta mulher era advogada das causas impossíveis: as moças que não tinham prazer no sexo, os homens que perderam o vigor, os trabalhadores sem emprego, as pessoas com enfermidades graves, todos a procuravam para resolver seus problemas e, a todos eles, a Mulata atendia.
Acontece que os homens ficavam presos por sua formosura e disputavam entre si para ver qual conquistaria o seu coração. Ela, porém, não correspondia a nenhum deles, pelo contrário, os desdenhava. Todos comentavam os poderes da Mulata e diziam que era uma bruxa, uma poderosa feiticeira. Algumas pessoas garantiam que já haviam surpreendido a Mulata voando sobre os telhados, sem falar nos seus belos olhos negros, que, segundo diziam, despediam miradas diabólicas ao mesmo tempo em que a bela sorria com seus lábios vermelhos e dentes muito brancos.
Falavam a boca pequena que a Mulata tinha pacto com Satã e o recebia em sua casa. Quando ele a visitava, sempre depois da meia-noite, quem passasse defronte à casa da bruxa veria claramente uma luz sinistra brilhando por entre as rendas do cortinado e pelas frestas da porta: uma luz infernal, como se dentro da casa estivesse ocorrendo um grande incêndio. A fama daquela mulher ultrapassava fronteiras, era imensa! Até canções populares cantavam os seus prodígios.

Ninguém sabe ao certo por quanto tempo essas histórias circularam, aumentando a fama da Mulata. O que todos dão por certo é quem um certo dia, foi levada da cidade de Córdoba e conduzida presa pelo Tribunal da Inquisição, até a cidade do México, acusada de bruxaria e satanismo.
Conta-se que na manhã do dia em que deveria ser executada, o carcereiro entrou no calabouço onde estava acorrentada, e ficou surpreso ao ver que em uma das paredes da cela a Mulata desenhara um navio. Ela sorriu e lhe perguntou: “Bom dia, carcereiro, podes me dizer o que falta neste navio?” O pobre-diabo respondeu com uma imprecação: “Tu és uma desgraçada! Se te arrependesses, não irias agora morrer!”
Ela, porém, insistiu: “Anda, diz-me o que falta a este navio”. Intrigado com a pergunta, o carcereiro respondeu: “Claro está que falta um mastro.” Ao que a Mulata prontamente retrucou: “Se um mastro lhe falta, um mastro ele terá!” O carcereiro se retirou da cela com o coração cheio de confusão, não conseguia entender as palavras enigmáticas da Mulata.
Por volta do meio-dia, o carcereiro voltou à cela e contemplou admirado o desenho. “E agora, carcereiro, o que falta ao navio?” Perguntou a bela mulher. Mais uma vez ele exortou-a: “Desafortunada mulher, se queres salvar tua alma das chamas do inferno, ajoelha e suplica o o perdão perante a Santa Inquisição, encarregada de te julgar. O que pretendes com tais perguntas? Está claro que ao navio faltam as velas. Imediatamente a mulher replicou: “Se as velas lhe faltam, as velas ele terá!”
Mais uma vez o carcereiro se retirou, abismado com aquela misteriosa mulher que, nas últimas horas de vida que lhe restavam, desperdiçava o tempo desenhando, sem temor da morte. Quando caiu a tarde, hora em que se cumpriria o destino da Mulata, estando tudo preparada para sua execução, o carcereiro entrou pela terceira vez em sua cela. Ela aguardava-o sorridente, de tal forma que sua beleza exuberante mais se destacava no cenário feio e sujo do calabouço. Perguntou-lhe: E agora, o que falta ao meu navio?
O homem, aflito, gritou: “Infeliz mulher, põe tua alma nas mãos de Deus Nosso Senhor e arrepende-te dos teus pecados. A este navio, a única coisa que falta é navegar, está perfeito!” A Mulata, mais bela do que nunca, respondeu, exultante: “Pois se Vossa Mercê o deseja com toda força de sua vontade, o meu navio navegará!” Dito isto, sob o olhar aterrado do carcereiro, a Mulata, tão veloz quanto o vento que começou a soprar, saltou para o navio e este começou a se mover, primeiro lenta, e, depois, muito rapidamente, a toda vela, e em questão de minutos desapareceu, levando a formosa prisioneira.
O homem caiu de joelhos, imobilizado pela surpresa, seus olhos saltavam das órbitas, sua boca não poderia estar mais aberta e seus cabelos estavam em pé! Ninguém jamais voltou a colocar os olhos na Mulata. Todos imaginam que esteja com o demônio.
Quem crê nos contos de feiticeiras, que comece a pintar navios nas paredes!

domingo, 19 de fevereiro de 2006

Lânia e Lisíope


Description:
Gosto muito de contar esta lenda; faz parte de uma coletânea que estou reunindo sob o tema "Histórias da Paixão".

Ingredients:
A Lenda de Lânia e Lisíope

(Versão autoral de Marina Colasanti)

Onde os oceanos se encontram, aflora uma ilha pequena. Ali, desde sempre, viviam Lânia e Lisíope, ninfas irmãs a serviço do mar que, no manso regaço da praia, vinha depositar seus afogados. Cabia a Lânia, a mais forte, tirá-los da arrebentação. Lisíope, a mais delicada, cuidava de lavá-los com água doce da fonte, para depois envolvê-los nos lençóis de linho que juntas as irmãs teciam. Juntas, também, elas os devolviam ao mar, para sempre. Nessa tarefa que nunca se esgotava, as irmãs passavam os seus dias, sem trocar muitas palavras entre si.
Foi num desses dias que Lânia viu que as ondas traziam o corpo de um afogado, que se aproximava flutuando; entrou nas ondas para apanhá-lo e, agarrando-o pelos cabelos, conseguiu traze-lo até a areia. Preparava-se para chamar Lisíope quando, ao virá-lo com o rosto para cima, percebeu que se tratava de um homem jovem e belo. Sentiu-se tão atraída que resolveu ela mesma lavar o sal de seu corpo com água doce e, usando seu pente de concha, desembaraçar os seus cabelos. Em seguida, começou a envolver o corpo do homem com o lençol, mas, sentiu uma dor tão profunda! Percebeu, então, que estava apaixonada.
Não, ela não devolveria aquele moço, pensou, decidida. E rápida, antes que Lisíope chegasse, correu para um língua de pedra que estreita e cortante avançava mar adentro e pôs-se a chamar em voz alta: “Morte, Morte, venha me ajudar!”
Sua voz penetrou as profundezas e, num átimo, sem ruído algum a Morte saiu de dentro d’água. Lânia, então, suplicou ansiosa: “Morte, desde sempre aceito tudo que você me traz, trabalho muito sem nada pedir em troca. Mas, hoje, em troca dos tantos que já devolvi, suplico sua generosidade e lhe peço que me dê este homem, pois meu coração o escolheu.”
Impressionada por tamanha paixão, a Morte concordou com o pedido de Lânia e fez questão de instruir: “Na maré vazante, você deve colocar o corpo do homem sobre a areia, com a cabeça voltada para o mar, pois quando a maré subir, tocará seus cabelos com a primeira espuma e nesse momento ele retornará à Vida.” Lânia fez tudo como a Morte ensinou e assim aconteceu – o homem abriu seus olhos e um lindo sorriso.
Mas, em vez de sorrir só para ela, que o amava tanto, desde o início o seu olhar e o seu sorriso procuravam por Lisíope. Lânia percebia e fazia de tudo para afastá-lo da irmã, mas não adiantava. Não resolvia enfeitar-se, cantar com sua belíssima voz acima do ruído das ondas. Quanto mais exigia, menos ele a satisfazia. Quanto mais o buscava para si, mais à outra ele pertencia.
Lânia estava sofrendo terrivelmente e, um dia, antes do nascer do Sol, ajoelhou-se sobre uma pedra na praia e chamou novamente: “Morte! Morte! Venha me atender.” E quando Aquela que Guarda Silêncio chegou, perdida em pranto e cheia de raiva Lãnia suplicou que atendesse apenas o último de seus pedidos. Que levasse a irmã, e nada mais ela desejaria.
Aquela que Guarda Silêncio deixou-se seduzir pela força do ódio de Lânia. A Morte concordou com sua súplica e instruiu: “Você deve deitar a sua irmã sobre a área lisa da maré vazante, com os pés voltados para o mar; ao primeiro beijo do sal das águas, Ela a levaria.
E assim foi. Lânia esperou uma noite enluarada e convidou Lisíope: “A noite está tão linda, minha irmã, por isso preparei a sua cama junto à brisa, no lugar mais iluminado pelo luar”. Em seguida, sorrateira, esgueirou-se até uma árvore que crescia na beira da praia, e subiu até o primeiro galho, escondendo-se entre as folhas. De olhos bem abertos, esperaria para ver cumprir-se a promessa.
A noite, porém, se fez longa. A brisa trazia o perfume inebriante dos jasmins e o suave marulhar do mar. Lãnia adormeceu. Enquanto Lânia dorme na árvore, dorme Lisíope perto d’água. Um raio de luar despertou o homem, chamando-o para fora, para desfrutar a beleza da noite. O apelo é tão irresistível, ele se levanta e sai da caverna. Estonteado pelo perfume dos jasmins, caminha vagueando pela praia e encontra Lisíope adormecida. No sono, o rosto dela parece fazer-se ainda mais doce, boca entreaberta num sorriso.
Sem ousar despertá-la, o homem se deita ao seu lado. Depois, bem devagar, estende a mão, até tocar a mão delicada que emerge do lençol. Cresce o Amor no seu peito. Na noite, a maré sobe. Já era dia quando Lânia, empoleirada no galho, despertou. Luz nos olhos, procurou na claridade. Viu o travesseiro abandonado. Viu o lençol flutuando ao longe. Da irmã, nenhum vestígio. Pensou consigo: “A Morte cumpriu o trato”. Desceu correndo da árvore para encontrar o seu amado.
Mas sua alegria não durou muito. Seus olhos caíram sobre a areia fina onde ficara gravada a imagem de dois corpos deitados lado a lado. A maré já havia apagado os pés, breve chegaria à cintura. Mas, na areia molhada desenhava-se a marca das mãos unidas, como se à espera das ondas que subiam.

Directions:
A lenda faz parte do imaginário veda e depois foi apropriada pela Mitologia Grega.
imagem: "Lânia e Lisíope" - Disponível em www.margencero.com


sábado, 18 de fevereiro de 2006

Excesso de realidade



A última coisa que poderíamos afirmar sobre os reality shows, do tipo BBB e outros que estão infestando a programação das redes de tevê mundiais, é que apresentam um excesso de realidade. Certo?


            Errado. Tomando como exemplo o BBB, embora saibamos que as ações e reações são muito bem articuladas para dar a impressão de espontaneidade, além da manipulação cada vez mais explícita da opinião pública, através da edição, sob um aspecto fundamental o BBB apresenta sim um excesso de realidade.


            Oculta sob a capa de diversão medíocre, o BBB valida os ideais perversos que norteiam a forma dominante de convivência nas sociedades contemporâneas: a competição. Já é questionável que a competitividade seja aclamada como a melhor qualidade que um ser humano possa ter. Sem maiores reflexões, muitos formadores de opinião, sem falar em pais e professores, estimulam o comportamento competitivo reafirmando a visão do mundo como um campo de batalhas onde sempre haverá vencedores e perdedores, sendo a medida do triunfo exatamente a mesma do BBB: o sucesso financeiro.


            No Big BrotherBrasil, para atingir a meta e ganhar um milhão de reais todas as estratégias (ou seria melhor dizer artimanhas?) são incentivadas e válidas. É preciso seduzir e conquistar supostos amigos que, ocasionalmente, serão descartados porque já não servirão ao interesse supremo. É preciso escolher os amigos certos, aqueles que têm popularidade, que podem contribuir para impulsionar a sua própria trajetória. O lema essencial se traduz por: não confie em ninguém. Parece familiar?


            Às vezes, me fica a impressão de que não sabemos o que estamos produzindo, como sociedade, quando louvamos e estimulamos estes comportamentos; quando não reprovamos explicitamente os atos de “passar a perna nos outros” ou “puxar o tapete” dos parceiros. E, depois, ficamos horrorizados com as reportagens de jornais e tevês que dão conta do número crescente de jovens ingressando na criminalidade ou na prostituição, como “método” alternativo para atingir o tal sucesso financeiro. Ah, mas esses são os “outros”, não tem nada a ver conosco, nós temos princípios!


            O imaginário coletivo está impregnado pela lógica do mercado: produzir, consumir, dominar. Este é o princípio gerador das mais destrutivas forças responsáveis pela devastação ecológica, pela violência, pela miséria. Forças que não sabemos como conter.


            Se continuarmos encorajando este modelo de convivência, que o BBB reflete perfeitamente, não obteremos resultados com as campanhas pela cultura da paz, pelo desarmamento, pelo despertar da consciência ecológica, pelo fim do trabalho infantil, etc. Estamos tentando fechar a porta depois que o ladrão já entrou.


            Existem muitos modos de olhar para esse laboratório social que é o BBB. Para além da mirada superficial, quem sabe permitiremos que este excesso de realidade gere em nós uma grande inquietação, ilumine as nossas consciências, antes que sejamos, todos, mandados para o paredão. 


 


Sandra B.


 


imagem: "Realidad" - Disponível em www.margencero.com


 

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2006

Mágoa


Há momentos

em que afloras:

lembrança líquida.

 

Gotejas alcalino

desde os mares

oblíquos:

portal que se

abre para dantes.             

 

Pisco os olhos e                                   

já não és mais que

(m)água.

 

Sandra B.

domingo, 29 de janeiro de 2006

Clímace


quando me tocas

um pássaro germina

nas entranhas

 

tua boca acorda

canários insuspeitos que

me habitam as células

 

à deriva dos ossos

meu corpo estranho de si                                  

pulsa trinados  atávicos

 

Sandra B.

 

imagem: Bandoneon - Coleção Le Tango, de Maria Amaral, 1999.

 

sábado, 21 de janeiro de 2006

Devagar e sempre...


Devagar se vai ao longe. Quem se lembra dessa expressão? Lembro-me de tê-la ouvido muitas vezes, quando criança. Na contemporaneidade esse ditado soa falso, pois estamos cada vez mais habituados a confundir velocidade com eficiência. A velocidade tornou-se um diferencial de qualidade, símbolo da tecnovida (se me permitem o neologismo) e deusa da sociedade consumista, que deseja tudo “pra ontem”.


Ficou na lembrança o tempo remoto em que era possível pautar a vida pelas necessidades: comer quando se tinha fome, dormir quando nos sentíamos cansados. Coisas tão banais para os nossos antepassados, mas, hoje, são privilégios reservados apenas aos bebês, pois mesmo crianças bem pequenas já estão sujeitas à tirania da velocidade.


É estranho pensar que as novas tecnologias planejadas para poupar o nosso tempo como transportes, telefonia, computadores e internet que colocam o mundo à distância de um clique, só fizeram com que pisássemos mais fundo no acelerador: a pressa e a urgência determinam a nossa vida e, supostamente, a nossa competência.


Perdemos a noção do passar do tempo e, entre o estar e o partir não há mais do que míseros nanossegundos. O filme da nossa vida está passando cada vez mais rápido e não demora muito o inevitável “The End” colocará um ponto final numa existência que tem tudo para ser rica e significativa.


Quase sempre a pressa é inimiga da memória, da tradição, portanto, além de nos matar também destrói a nossa herança cultural; afinal, para quê sentar em círculo e relembrar lendas familiares ou fatos históricos se podemos inserir um dvd no aparelho e deixar as crianças entretidas nas horas vagas, enquanto poupamos nosso precioso tempo?


O ano 2005 chegou ao final e quantos não afirmaram que nem o viram passar? Felizmente, eu vivi 2005. Ficou marcado nos bons livros que li como “Devagar”, de Carl Honoré, que nos ensina os princípios da filosofia do devagar; nos filmes que revi como Persona, obra prima de Bergman (que perdulária! Perdendo tempo vendo reprises de filmes antigos!); nos momentos de reflexão que precedem a escrita; nas risadas em companhia dos amigos; nas caminhadas pelas ruas da minha cidade, onde cada vez mais me reconheço. Para mim, 2005 não “passou batido”.


Não estou discursando contra a tecnologia e o progresso, tampouco fazendo a apologia da preguiça, apenas, gostaria que refletíssemos que, no fim das contas, tempo vale muito mais do que dinheiro, simplesmente porque não tem preço. A maior fortuna do mundo não compraria um segundo a mais de vida que me permitisse vislumbrar um último pôr-do-sol na Praça da Liberdade* que, hoje não, não tenho tempo de olhar...


 


Sandra B.


 


* Praça da Liberdade - logradouro público localizado na cidade de Rio Claro/SP, lugar de vivências afetivas...

Pai dos Burros

Rating:
Category:Books
Genre: Other
Author:Um bando de caras pretenciosos!
Pai dos burros é o carinhoso apelido que damos àquele livro enorme, de páginas fininhas, cheio de palavrinhas deliciosas que, eventualmente, se transformam em poemas, preces, letras de músicas, notícias de jornal. A quantidade de dicionários que existe hoje no mercado é enorme: dicionário de informática, de termos médicos, de bioquímica, essa lista não tem fim e acaba de ser engrossada por uma publicação de peso: um dicionário de mulheres!
Uma editora de dicionários, líder no segmento na Alemanha, lançou, em outubro passado, uma espécie de guia, “Alemão-mulheres – mulheres-alemão”, que traduzirá para os alemães as falas das mulheres, ou melhor, o que (eles supõem) está dito nas entrelinhas dessas falas. O grupo Langenscheidt, muito conhecido por seus respeitados dicionários de língua estrangeira, editou um guia que traduz frases femininas desconcertantes como "Vamos ficar abraçados" (a tradução, segundo o guia, seria: "sem sexo hoje, por favor!").
Os capítulos são divididos por assuntos que oferecem dicas de comportamento e revelam as obscuras mensagens ocultas nas frases mais corriqueiras do cotidiano, segundo o editor chefe da Langenscheidt.
Como sou o tipo de leitora para quem um pingo é letra, fico logo imaginando que este projeto é um tanto afrontoso para nós mulheres. Primeiro, porque generaliza situações e padroniza o comportamento feminino. Segundo, porque, como diria Haroldo de Campos, tradução é traição, já que é impossível ser fiel ao pensamento do autor, que dirá a pretensão de interpretar o sentido das nossas falas sem levar em conta, por exemplo, a expressão corporal, elemento fundamental para esse tipo de análise. Terceiro, porque reforça a tese de que somos complicadas e incompreensíveis, diga-se de passagem, para a grande e indiscutível sorte dos homens, afinal, que tediosa seria a vida se não fossem os nossos mistérios?
Segundo a agência de notícias Reuters, o tal dicionário já vendeu milhares de exemplares e, com menos de um mês de seu lançamento, já está no prelo a 3ª. tiragem - espero que seja uma conspiração feminina para tirar os livros do mercado. Bom, pelo menos o livro não foi escrito pelos americanos, aí sim teríamos uma versão brasileira fresquinha nas livrarias, no máximo até março próximo.
Por enquanto, preserva-se o direito dos homens brasileiros de lerem e interpretarem suas mulheres usando o antigo método da tentativa e erro, e, assim, estamos todos salvos da monotonia.

Sandra B.


sábado, 14 de janeiro de 2006

AMOR


Amor

 

Grão plantado

para morrer

oculta na semente

a ilusão daquilo

que se eterniza

no momento em que

apodrece.

 

Sandra B.

 

imagem: Embraced Couple, de Cristina Figueredo; 1996.