sexta-feira, 2 de junho de 2006

Resenhando Vivências

Rating:★★★★★
Category:Other
Artes da existência – em busca de uma vivência sensual

“Artes da existência” é a denominação que a antiga civilização greco-romana dava ao conjunto de conhecimentos sobre a sexualidade humana, e que foram brilhantemente analisadas pelo filósofo francês Michel Foucault em sua obra História da Sexualidade II.
É interessante observar que esses conhecimentos eram permeados por conceitos estéticos; o termo ‘estético’, aqui, não aparece limitado pela definição mais comum que assumiu no mundo contemporâneo, mas, no seu sentido mais profundo – apreensão estética, estesia (aisthesis, do grego) - ou seja, a capacidade que um sujeito possui de apreender certa realidade exterior de modo sensitivo e sensual, através do uso pleno dos seus sentidos.
A estesia antagoniza a anestesia; assim, estar estésico é abrir-se às sensações, deixar-se provocar. Quando pensamos a sexualidade dessa forma podemos entendê-la, realmente, como Arte. E, enquanto arte, o sexo tem o poder de reencantar a realidade apreendida, produzindo uma espécie de êxtase que perturba, no sentido que modifica, os significados do cotidiano. Seguindo esse raciocínio acerca da estesia e suas relações com a sexualidade, tenho observado que, de modo geral, a maioria das pessoas não procura uma vivência sensorial, relegando a sensualidade exclusivamente à vida sexual, e pior, ao momento do êxtase. Somos seres potencialmente sensuais, isto é, seres que têm à disposição o enorme potencial de um sistema sensitivo muito sofisticado e quase inexplorado. Se não desfrutarmos amplamente desta sensorialidade, nas mínimas coisas cotidianas, não atingiremos o ideal do sexo enquanto Arte, permanecendo aquém dessa possibilidade.
São muitos os fatores que nos impedem de desfrutar uma vivência mais sensual; o mais poderoso, claro, é o condicionante cultural que pretende as sensações ligadas ao corpo e aos sentidos como de somenos importância. Este condicionante domina todas as áreas da vida, roubando o caráter sensorial das nossas várias experiências: a educação já não é sensível, o jogo já não é lúdico e nossa convivência social é cada vez mais asséptica. Segundo essa lógica, até mesmo o sexo está perdendo o seu caráter sensual, pois, sensualidade nada mais é do que a capacidade de viver em estesia.
O corpo que sente é uma entidade aberta, incompleta, que só se complementa nas coisas, no mundo, no outro.
Os versos sensoriais de Pablo Neruda expressam perfeitamente essa realidade: “Eu era a sede e a fome, e tu foste a fruta.”

Sandra B.

imagem disponível em: www.lamolina.edu.pe
Esse texto foi publicado originalmente no sítio: www.gehspace.com

2 comentários:

Gilberto Uryn disse...

Não li no Geh, mas li agora e achei muito interessante. Concordo com o seu ponto-de-vista no que concerne a limitação da sensualidade, reduzida ao jogo pré-sexual. Merece ser relido e repensado.

Beijo

Sandra Baldessin disse...

legal, Gil. Obrigada por sua leitura.
besito