sexta-feira, 16 de abril de 2010

kinoblog: Revista Cinema Caipira

http://kinoolho.blogspot.com/2010/03/revista-cinema-caipira-de-marco.html
Blog do grupo Kino Olho. É possível fazer download da Revista Cinema Caipira, editada pelo grupo, ou encomendar exemplares impressos.

Kino-Olho n.58




Projeto do grupo Kino Olho, dirigido pelo cineasta João Paulo Maria Miranda. Adaptação de Fernanda Tosini sobre poema de Ferreira Gullar, que conta em forma de cordel a luta entre Tio Sam e Zé Moléstia. Interpretação de João de Lima Neto e Claudio Lopes. Realização Prefeitura Municipal de Rio Claro, Secretaria Municipal de Cultura e Grupo Kino-Olho. Produção TV Cidade Livre e Cia. Quanta de Teatro.
Para quem se interessar, há muitos vídeos do grupo no youtube.

No detalhe de capa, foto do cineasta.

Ausência


Para o meu pai


Eras tu que
lustravas 
manhãs colando-as 
à janela

a ti pertenciam
os cabelos
desabrochados
das rosas todas

se hoje cultivo 
brotos de asfalto
é porque os aduba  
a tua falta.



(Imagem: acervo da família. Nicolau Sánchez, em 1956, no Beco das Garrafas, Rio de Janeiro)

quarta-feira, 14 de abril de 2010

A mirada sensível

Murilo Mendes, o poeta mineiro, falava da necessidade de ter o olho armado para a vida, fator indispensável para a sobrevivência. E o que seria esse olho armado?

Não é coisa restrita aos poetas e fazedores de arte. É algo com que nascemos, e, ao longo da jornada, permitimos que se perca. É a mirada profunda de quem deseja ver além da superfície polida das coisas.

Ao mesmo tempo em que muitos perdem esse olhar que inaugura o mundo a cada manhã, outros procuram cultivá-lo. Aqueles que apuram o paladar do olho, ensinando-o a procurar sabores inusitados nas banalidades cotidianas, certamente terão uma vida mais rica, mais intensa.

            A história humana revela que o tédio e o apetite insaciável por novidades não são coisas inventadas recentemente. Tampouco a depressão que se segue quando se torna impossível satisfazer essa fome.  Nesse momento, muitos recorrem às drogas, lícitas ou ilícitas, em busca de ampliar sensações.

Nunca antes essa fragilidade da psique esteve tão patente. Crianças, jovens e adultos sofrem de uma espécie de depressão dos sentidos. Falta o olho armado. Falta perceber, como quer a também poeta  Adélia Prado, que “a beleza é viva e te olha, chama pelo nome ao que a procura”. Quantos de nós estamos atentos para ouvir esse chamado?

Os cientistas chegaram à conclusão que a observação humana é única, própria de cada ser. O nosso jeito de olhar é como se fosse uma assinatura, uma forma só nossa de percepcionar o mundo. Há muito tempo os poetas já sabiam disso.

Somos seres colocados à imensa janela do mundo, convidados a olhar a paisagem. Para evitar a depressão dos sentidos é fundamental cultivar a mirada. Não é tarefa fácil, pois desaprendemos as coisas fundamentais para gravar na memória as supérfluas.

Abrimos mão da simplicidade e, por isso, quando a beleza nos fita, seja através da natureza, seja através do homem, muitas vezes a ignoramos, perdemos o momento mágico de epifania.

Há coisas que precisamos reaprender; como dizem os versos de Fernando Pessoa, precisamos raspar a tinta com que os nossos sentidos foram pintados. Precisamos de um olhar que ressignifique a natureza e as relações entre os homens.

Cultivar um olhar sensível é, talvez, uma das poucas vias de resistência ao consumismo, à singularidade que resiste aos padrões de beleza massificados e à própria falência do humano.


Sandra Baldessin


(Publicado originalmente no Jornal Cidade de Rio Claro)