quarta-feira, 14 de abril de 2010

A mirada sensível

Murilo Mendes, o poeta mineiro, falava da necessidade de ter o olho armado para a vida, fator indispensável para a sobrevivência. E o que seria esse olho armado?

Não é coisa restrita aos poetas e fazedores de arte. É algo com que nascemos, e, ao longo da jornada, permitimos que se perca. É a mirada profunda de quem deseja ver além da superfície polida das coisas.

Ao mesmo tempo em que muitos perdem esse olhar que inaugura o mundo a cada manhã, outros procuram cultivá-lo. Aqueles que apuram o paladar do olho, ensinando-o a procurar sabores inusitados nas banalidades cotidianas, certamente terão uma vida mais rica, mais intensa.

            A história humana revela que o tédio e o apetite insaciável por novidades não são coisas inventadas recentemente. Tampouco a depressão que se segue quando se torna impossível satisfazer essa fome.  Nesse momento, muitos recorrem às drogas, lícitas ou ilícitas, em busca de ampliar sensações.

Nunca antes essa fragilidade da psique esteve tão patente. Crianças, jovens e adultos sofrem de uma espécie de depressão dos sentidos. Falta o olho armado. Falta perceber, como quer a também poeta  Adélia Prado, que “a beleza é viva e te olha, chama pelo nome ao que a procura”. Quantos de nós estamos atentos para ouvir esse chamado?

Os cientistas chegaram à conclusão que a observação humana é única, própria de cada ser. O nosso jeito de olhar é como se fosse uma assinatura, uma forma só nossa de percepcionar o mundo. Há muito tempo os poetas já sabiam disso.

Somos seres colocados à imensa janela do mundo, convidados a olhar a paisagem. Para evitar a depressão dos sentidos é fundamental cultivar a mirada. Não é tarefa fácil, pois desaprendemos as coisas fundamentais para gravar na memória as supérfluas.

Abrimos mão da simplicidade e, por isso, quando a beleza nos fita, seja através da natureza, seja através do homem, muitas vezes a ignoramos, perdemos o momento mágico de epifania.

Há coisas que precisamos reaprender; como dizem os versos de Fernando Pessoa, precisamos raspar a tinta com que os nossos sentidos foram pintados. Precisamos de um olhar que ressignifique a natureza e as relações entre os homens.

Cultivar um olhar sensível é, talvez, uma das poucas vias de resistência ao consumismo, à singularidade que resiste aos padrões de beleza massificados e à própria falência do humano.


Sandra Baldessin


(Publicado originalmente no Jornal Cidade de Rio Claro)

4 comentários:

Maisa Paula disse...

Interessantíssimo..muito bacana! ;).

AluiZio Derizans disse...

Posso distribuir entre meus amigos de outras redes? (claro respeitado o copyright!!!)

Sandra Baldessin disse...

Oi iZo, que saudade. Obrigada, pode partilhar, sim!
Besitos

Sandra Baldessin disse...

Obrigada, maisa!
besito