domingo, 29 de janeiro de 2006

Clímace


quando me tocas

um pássaro germina

nas entranhas

 

tua boca acorda

canários insuspeitos que

me habitam as células

 

à deriva dos ossos

meu corpo estranho de si                                  

pulsa trinados  atávicos

 

Sandra B.

 

imagem: Bandoneon - Coleção Le Tango, de Maria Amaral, 1999.

 

sábado, 21 de janeiro de 2006

Devagar e sempre...


Devagar se vai ao longe. Quem se lembra dessa expressão? Lembro-me de tê-la ouvido muitas vezes, quando criança. Na contemporaneidade esse ditado soa falso, pois estamos cada vez mais habituados a confundir velocidade com eficiência. A velocidade tornou-se um diferencial de qualidade, símbolo da tecnovida (se me permitem o neologismo) e deusa da sociedade consumista, que deseja tudo “pra ontem”.


Ficou na lembrança o tempo remoto em que era possível pautar a vida pelas necessidades: comer quando se tinha fome, dormir quando nos sentíamos cansados. Coisas tão banais para os nossos antepassados, mas, hoje, são privilégios reservados apenas aos bebês, pois mesmo crianças bem pequenas já estão sujeitas à tirania da velocidade.


É estranho pensar que as novas tecnologias planejadas para poupar o nosso tempo como transportes, telefonia, computadores e internet que colocam o mundo à distância de um clique, só fizeram com que pisássemos mais fundo no acelerador: a pressa e a urgência determinam a nossa vida e, supostamente, a nossa competência.


Perdemos a noção do passar do tempo e, entre o estar e o partir não há mais do que míseros nanossegundos. O filme da nossa vida está passando cada vez mais rápido e não demora muito o inevitável “The End” colocará um ponto final numa existência que tem tudo para ser rica e significativa.


Quase sempre a pressa é inimiga da memória, da tradição, portanto, além de nos matar também destrói a nossa herança cultural; afinal, para quê sentar em círculo e relembrar lendas familiares ou fatos históricos se podemos inserir um dvd no aparelho e deixar as crianças entretidas nas horas vagas, enquanto poupamos nosso precioso tempo?


O ano 2005 chegou ao final e quantos não afirmaram que nem o viram passar? Felizmente, eu vivi 2005. Ficou marcado nos bons livros que li como “Devagar”, de Carl Honoré, que nos ensina os princípios da filosofia do devagar; nos filmes que revi como Persona, obra prima de Bergman (que perdulária! Perdendo tempo vendo reprises de filmes antigos!); nos momentos de reflexão que precedem a escrita; nas risadas em companhia dos amigos; nas caminhadas pelas ruas da minha cidade, onde cada vez mais me reconheço. Para mim, 2005 não “passou batido”.


Não estou discursando contra a tecnologia e o progresso, tampouco fazendo a apologia da preguiça, apenas, gostaria que refletíssemos que, no fim das contas, tempo vale muito mais do que dinheiro, simplesmente porque não tem preço. A maior fortuna do mundo não compraria um segundo a mais de vida que me permitisse vislumbrar um último pôr-do-sol na Praça da Liberdade* que, hoje não, não tenho tempo de olhar...


 


Sandra B.


 


* Praça da Liberdade - logradouro público localizado na cidade de Rio Claro/SP, lugar de vivências afetivas...

Pai dos Burros

Rating:
Category:Books
Genre: Other
Author:Um bando de caras pretenciosos!
Pai dos burros é o carinhoso apelido que damos àquele livro enorme, de páginas fininhas, cheio de palavrinhas deliciosas que, eventualmente, se transformam em poemas, preces, letras de músicas, notícias de jornal. A quantidade de dicionários que existe hoje no mercado é enorme: dicionário de informática, de termos médicos, de bioquímica, essa lista não tem fim e acaba de ser engrossada por uma publicação de peso: um dicionário de mulheres!
Uma editora de dicionários, líder no segmento na Alemanha, lançou, em outubro passado, uma espécie de guia, “Alemão-mulheres – mulheres-alemão”, que traduzirá para os alemães as falas das mulheres, ou melhor, o que (eles supõem) está dito nas entrelinhas dessas falas. O grupo Langenscheidt, muito conhecido por seus respeitados dicionários de língua estrangeira, editou um guia que traduz frases femininas desconcertantes como "Vamos ficar abraçados" (a tradução, segundo o guia, seria: "sem sexo hoje, por favor!").
Os capítulos são divididos por assuntos que oferecem dicas de comportamento e revelam as obscuras mensagens ocultas nas frases mais corriqueiras do cotidiano, segundo o editor chefe da Langenscheidt.
Como sou o tipo de leitora para quem um pingo é letra, fico logo imaginando que este projeto é um tanto afrontoso para nós mulheres. Primeiro, porque generaliza situações e padroniza o comportamento feminino. Segundo, porque, como diria Haroldo de Campos, tradução é traição, já que é impossível ser fiel ao pensamento do autor, que dirá a pretensão de interpretar o sentido das nossas falas sem levar em conta, por exemplo, a expressão corporal, elemento fundamental para esse tipo de análise. Terceiro, porque reforça a tese de que somos complicadas e incompreensíveis, diga-se de passagem, para a grande e indiscutível sorte dos homens, afinal, que tediosa seria a vida se não fossem os nossos mistérios?
Segundo a agência de notícias Reuters, o tal dicionário já vendeu milhares de exemplares e, com menos de um mês de seu lançamento, já está no prelo a 3ª. tiragem - espero que seja uma conspiração feminina para tirar os livros do mercado. Bom, pelo menos o livro não foi escrito pelos americanos, aí sim teríamos uma versão brasileira fresquinha nas livrarias, no máximo até março próximo.
Por enquanto, preserva-se o direito dos homens brasileiros de lerem e interpretarem suas mulheres usando o antigo método da tentativa e erro, e, assim, estamos todos salvos da monotonia.

Sandra B.


sábado, 14 de janeiro de 2006

AMOR


Amor

 

Grão plantado

para morrer

oculta na semente

a ilusão daquilo

que se eterniza

no momento em que

apodrece.

 

Sandra B.

 

imagem: Embraced Couple, de Cristina Figueredo; 1996.