sábado, 21 de janeiro de 2006

Devagar e sempre...


Devagar se vai ao longe. Quem se lembra dessa expressão? Lembro-me de tê-la ouvido muitas vezes, quando criança. Na contemporaneidade esse ditado soa falso, pois estamos cada vez mais habituados a confundir velocidade com eficiência. A velocidade tornou-se um diferencial de qualidade, símbolo da tecnovida (se me permitem o neologismo) e deusa da sociedade consumista, que deseja tudo “pra ontem”.


Ficou na lembrança o tempo remoto em que era possível pautar a vida pelas necessidades: comer quando se tinha fome, dormir quando nos sentíamos cansados. Coisas tão banais para os nossos antepassados, mas, hoje, são privilégios reservados apenas aos bebês, pois mesmo crianças bem pequenas já estão sujeitas à tirania da velocidade.


É estranho pensar que as novas tecnologias planejadas para poupar o nosso tempo como transportes, telefonia, computadores e internet que colocam o mundo à distância de um clique, só fizeram com que pisássemos mais fundo no acelerador: a pressa e a urgência determinam a nossa vida e, supostamente, a nossa competência.


Perdemos a noção do passar do tempo e, entre o estar e o partir não há mais do que míseros nanossegundos. O filme da nossa vida está passando cada vez mais rápido e não demora muito o inevitável “The End” colocará um ponto final numa existência que tem tudo para ser rica e significativa.


Quase sempre a pressa é inimiga da memória, da tradição, portanto, além de nos matar também destrói a nossa herança cultural; afinal, para quê sentar em círculo e relembrar lendas familiares ou fatos históricos se podemos inserir um dvd no aparelho e deixar as crianças entretidas nas horas vagas, enquanto poupamos nosso precioso tempo?


O ano 2005 chegou ao final e quantos não afirmaram que nem o viram passar? Felizmente, eu vivi 2005. Ficou marcado nos bons livros que li como “Devagar”, de Carl Honoré, que nos ensina os princípios da filosofia do devagar; nos filmes que revi como Persona, obra prima de Bergman (que perdulária! Perdendo tempo vendo reprises de filmes antigos!); nos momentos de reflexão que precedem a escrita; nas risadas em companhia dos amigos; nas caminhadas pelas ruas da minha cidade, onde cada vez mais me reconheço. Para mim, 2005 não “passou batido”.


Não estou discursando contra a tecnologia e o progresso, tampouco fazendo a apologia da preguiça, apenas, gostaria que refletíssemos que, no fim das contas, tempo vale muito mais do que dinheiro, simplesmente porque não tem preço. A maior fortuna do mundo não compraria um segundo a mais de vida que me permitisse vislumbrar um último pôr-do-sol na Praça da Liberdade* que, hoje não, não tenho tempo de olhar...


 


Sandra B.


 


* Praça da Liberdade - logradouro público localizado na cidade de Rio Claro/SP, lugar de vivências afetivas...

22 comentários:

Jose Liborio disse...

Vc não é passadista nem anti-tecnológica, só está sendo racional... Perfeita sua observação! Essa vida maluca está nos consumindo mesmo! Beijos!

Sandra Baldessin disse...

oi querido, obrigada por sua leitura.
beso

Eliana Mora disse...

rever filmes maravilhosos é uma 'doença' que tenho - mas sim, quero sim, ainda vou para um outro lugar - onde eu possa me sentit [no todo] melhor. bjos. El

Sandra Baldessin disse...

oi querida, é bom vê-la por aqui.
beso

Gilberto Uryn disse...

Sandrinha,

Uma vez, numa aula do rav Gabriel, alguém que respeito muito, ele replicou uma discussão com a afirmação: na vida, o menor caminho entre dois pontos não é necessariamente uma linha reta, e sim a linha que conseguirmos traçar.

Eu acho que você tem razão, cada vez temos menos possibilidades de traçarmos as nossas linhas, elas cada vez mais nos são impostas de fábrica, e sem opção de recall. Just enjoy it!

Cada vez mais, temos de brigar por cada vez menos. Temos menos espaço, menos tempo para nós mesmos, menos discernimento.

Acho que a próxima rebelião mundial vai ser pelo direito de todos a vislumbrar um último pôr-do-sol na Praça da Liberdade!!!

Beijão

Tate Fish disse...

E nessa confusão perde-se o respeito pelo tempo interno de cada um.

Sandra Baldessin disse...

é isso, Gil. Obrigada por sua leitura.
A Praça da Liberdade espera com seu sol-pôr...

Sandra Baldessin disse...

é verdade, Tate... que pena!
besito, amiga.

Despudorada Alma Malmal disse...

tempos em que havia tempo de ser feliz....hj vivemos assim, correndo atrás do relógio, feito o cChapeleiro Maluco hehehehe....eu não..nem relogio tenho mais.

bijão

XXXX YYYY disse...

Explêndido texto. Reflexões que quase não li por falta de tempo. ;-)

chelsea hotel disse...

«Quase sempre a pressa é inimiga da memória, da tradição, portanto, além de nos matar também destrói a nossa herança cultural;» - esta tremenda aceleração que os
imprimimos às nossas vidas individuais, e à colectiva também, começa a manifestar consequências inquietantes, o desgarramento, o sentido de pertença esbatido. Há um preço pessoal e civilizacional que começamos a pagar.
Uma bela reflexão, Sandra. Óptimo ler vozes discordantes e lúcidas, como a sua.
Beijo
Sol

Luciene Costa de Castro disse...

Não digo que não haja certa atração na velocidade, mas apenas quando a desejamos. Essa tirania cotidiana me deprime (sem exageros, é uma afirmação precisa). Ao contrário, quando vejo alguns filmes de que gosto, como Gritos e Sussurros ou Luz de Inverno (para ficar no Bergman, que você cita), sou lembrada da humanidade que vai desabitando esse mundo ligeiro.

Acabei (há uns 40 minutos) de assistir a Stalker, do Tarkovski, pela primeira vez. Aliás, foi meu primeiro Tarkovski. Li alguma coisa antes de vê-lo, sei que é querido de muitos e que outros dizem que é o mais fraco dele. Eu gostei. E com ele vem a reflexão sobre muito do que você escreve aqui. A existência pode ser rica e significativa. Mas... Ela será?

Uma última observação: eu vi 2005 passar. Mas bem que gostaria de não ter visto. 2006 começou nesta sexta, para mim. E tem tudo para ser um bom ano. Mas... Ele será? Espero que sim.

Sandra Baldessin disse...

o tempo tem todo o tempo do mundo, nós é que não sabemos mais nos apropriar...
sem relógio, amiga? então está vivendo bem, certamente.
besos, querida.

Sandra Baldessin disse...

obrigada, Zé, por ceder-me o seu tempo...
beso

Sandra Baldessin disse...

exato, Sol, você complementou a idéia. Obrigada por sua leitura.
besito

Sandra Baldessin disse...

Eu revi quase tudo de Bergman, em 2005, citei Persona porque observei uma grande diferença na forma como apreendi o filme, na segunda vez que o assisti.

Eu também gostei muito do Stalker, aliás, preciso rever.
Obrigada por seu comentário.
besito

XXXX YYYY disse...

Concordo com a El: rever filmes é rever fragmentos de nossas vidas. Não só vale a pena por relembrarmos de tramas e personagens como também da época em que os vimos anteriormente. Ótimo texto!

Beijão procê!
;o*

Johnnie Peterson disse...

Olá, Sandra!! Infelizmente acabei por não me acostumar com o Multiply... Que pena... mas continuo postando em meu blog, que agora mudou de servidor e está mais bonito, mais moderno e bem diferente!!! O endereço continua o mesmo: www.mixpoint.com.br!!! Vou te linkar nele, se você quiser, como faço com todos os blogs q leio/acompanho!!!

Estou de volta em 2006 com muitas novidades... Muitas coisas prestes a acontecer! Meu blog vai ser a central de notícias de tudo mas prometo tentar manter meus amigos avisados por e-mail! Em tempo: achei bárbara sua oficina no folder de fevereiro!!!

Até mais!!!

amélia pais disse...

Gostei desta sua prosa, amiga.Beijo

Sandra Baldessin disse...

Oi querido, eu já estava com saudade, vc sumiu!
Concordo com vc, os filmes resgatam momentos tão nossos...
besos

Sandra Baldessin disse...

Oi Johnnie, pode me lincar no teu blogue, sim. Fico feliz que vc tenha gostado do tema das minhas oficinas de fevereiro, vou ver se passo no Consulado essa semana.
besito

Sandra Baldessin disse...

Obrigada, Amélia.
besito.