sexta-feira, 3 de junho de 2005

Ana Jansen

Rating:★★★★★
Category:Books
Genre: Romance
Author:Rita Ribeiro
Ana: mito e memória

Ana Joaquina Jansen Pereira. Esse é um nome desconhecido para a grande maioria dos brasileiros, porque, quando se estuda e se ensina História do Brasil o foco se concentra, sobretudo, na história dos homens brasileiros, a história oficial que cabe na grade curricular. Mesmo os inúmeros livros, publicados a partir da década de 90, abordando a história das mulheres no Brasil têm a circulação restrita aos meios acadêmicos.
Por outro lado, a Literatura tem dado uma grande contribuição para que algumas figuras femininas legendárias se tornem mais conhecidas dos brasileiros, e foi através do romance da escritora maranhense Rita Ribeiro* que conheci Ana Jansen.
Ana Jansen viveu durante o reinado de D. Pedro II e Rita Ribeiro debruçou-se sobre imensas pilhas de documentos e teses que analisam essa época para construir uma ficção calcada num impecável pano de fundo histórico. Essa Ana, mulher plena de si mesma, tornou-se conhecida como Rainha do Norte e do Nordeste do Brasil – marcando sua presença nos cenários sócio-políticos maranhenses que, na época, era uma das províncias mais importantes do império.
Em torno da personalidade poderosa e do comportamento arrojado de Ana Jansen foi elaborado todo um folclore, que Rita Ribeiro utiliza habilmente na construção de sua trama. Quem foi Ana Joaquina Jansen Pereira? Rita entrega a narrativa à voz de um poeta - e quem mais cantaria tamanha musa?
Na noite quente de São Luís passeia um poeta e sua poesia evoca a imagem de uma mulher que se sabia inteira e que extraía dessa sublime consciência de sua integridade o seu poder, exercitado em todas as outras áreas de sua vida. O poeta se infiltra no espaço mágico da memória e tece aos nossos olhos o fantasma presentificado de Ana: a bela mulher trajada em negro, o decote audacioso revelando o adereço de ouro e diamante: seu brasão rebrilhando entre os seios.
O poeta conta a história de uma lutadora arrojada que, nascida rica, ficou na miséria, mas, firmada em seu orgulho e força, acabou se transformando no maior líder do Partido Liberal (que fazia oposição ao Império), sendo considerada, muitas vezes, como um inimigo inexorável. “...mulher apaixonada que nunca abdicou de viver plenamente sua afetividade e sua sexualidade...Maldita ou abençoada por todos os deuses? Carismática ou despótica?
Enquanto mulher e leitora, o que mais me atraiu na figura de Ana Jansen é o fato transparente de que para assumir uma posição relevante no contexto político e social de sua época ela não admitiu que sua vida fosse cindida em compartimentos estanques, comportamento padrão entre as mulheres contemporâneas, particularmente aquelas que alcançam êxito em suas carreiras. Não havia uma Ana dividida em função dos papéis sociais que desempenhava, antes, havia uma mulher que se impunha como tal em tudo que fazia, não aceitando ser paráfrase de si mesma, por isso Ana Jansen foi uma mulher de poder.
Ao desvendar Ana, me lembrei do poema de Edmilson Pereira: “A mãe que nos teve /é nossa filha/(...) ela pôs nosso umbigo /sob as rosas/ na porteira/ A beleza em nós é forte.”Ana se identifica com um inquietante arquétipo feminino: o das mulheres que se guiam pela paixão, cuja sensualidade seduz e apavora aqueles que convivem com elas.
Nas palavras de José Louzeiro, que apresenta o romance, Ana Jansen se mostra como a rainha que “...em nome do poder e da glória, negociou um lado da alma com Eros e o outro com Satanás.” O último representando o ódio e a morte, que também a seguiram de perto.
Eros e Tanatos compondo uma sinfonia entranhada na pele - hoje feita de letras e memória, de uma brasileira admirável.

Sandra B.

*Ana Jansen, romance de Ana Ribeiro. Editora Record, 2000.



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