domingo, 20 de fevereiro de 2005

Da delícia que é ter O. Paz à cabeceira

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Tenho uma verdadeira relação de leitura apaixonada com Octavio Paz; sua poética cativou meu imaginário desde o primeiro contato. Reproduzo aqui alguns dos poemas que mais me deixam estésica, inclusive "As palavras" de Porta Condenada (1938-1948), ao qual já emprestei o suporte do corpo numa performance realizada em 2002. Poesia para ser experimentada, lida em voz audível, entoada; lida no escuro, sentindo as palavras brotando no fundo da garganta, se perdendo no sabor delas.

AS PALAVRAS

Girar em torno delas,
virá-las pela cauda (guinchem, putas)
chicoteá-las,
dar-lhes açucar na boca, às renitentes,
inflá-las, globos, furá-las,
chupar-lhes sangue e medula,
secá-las,
capá-las,
cobri-las, galo galante,
torcer-lhes o gasnete, cozinheiro,
depená-las,
destripá-las, touro,
boi, arrastá-las,
fazer, poeta,
fazer com que engulam todas as suas palavras.

O RIO (fragmento)

À metade do poema sobressalta-me sempre um grande
desamparo,
tudo me abandona,
não há nada ao meu lado, nem sequer esses olhos que
por detrás
contemplam o que escrevo,
não há nada atrás nem adiante, a pena se rebela,
não há começo nem fim, tampouco muro que saltar,
é uma esplanada aberta o poema,
o dito não está dito,
o não dito é indizível (...)
não tenho nada a dizer,
ninguém tem nada a dizer,
nada nem ninguém exceto o sangue (...)
este escrever sobre o já escrito
e repetir a mesma palavra na metade do poema,
sílabas de tempo, letras rotas, gotas de tinta,
sangue que vai e vem e não diz nada e me leva consigo.

(de Estação Violenta, 1948-1958)


PARA O POEMA

I
Palavras, ganâncias de um quarto de hora arrancado à árvore calcinada da linguagem, entre os bons dias e os boas noites, portas de entrada e saída e entrada de um corredor que vai de partealguma a ladoalgum.
Damos voltas e voltas no ventre animal, no ventre mineral, no ventre temporal. Encontrar a saída: o poema.

(de Águia ou Sol, 1949-1950)

4 comentários:

Mariana Borges disse...

Forte, principalmente o primeiro poema. É a "poesia pela pedra", de João Cabral.

Sandra Baldessin disse...

é sim, Mariana; esse é um dos poetas dos quais não consigo me separar, vai e volta estou relendo.
besito

Felipe Coelho disse...

Obrigado pelos textos! Muito bons, o mistério da palavra é infinito.
Abraços, Felipe

Sandra Baldessin disse...

obrigada pela visita, Felipe. Vc tem razão, os mistérios da palavra, infinitos e fascinantes.
besito