domingo, 20 de fevereiro de 2005

Anestesiados ou estésicos?


"Se os sentidos não forem verdadeiros, falsa será a nossa razão." Lucrécio

A Eliana Mora - http://elpoeta.multiply.com - propôs uma leitura bastante interessante, abordando o que seria a beleza, discutindo questões relacionadas à estética. Dialogando com o pensamento do autor, Gábor Paál, gostei muito de sua definição de “estética elementar”, mesmo porque se relaciona com uma vertente de idéias que tenho estudado e que servem de base para o trabalho que desenvolvo, tanto na escrita quanto nas oficinas de liberação da linguagem criativa que realizo.
Gábor, que no texto subdivide a capacidade de apreensão estética em categorias, define a estética elementar como aquela que “...melhor corresponde à concepção da beleza como experiência sensorial e sensação de prazer”. Nas oficinas, e na minha experiência pessoal de criação, esse é um dos aspectos mais explorados.
A palavra estética deriva do substantivo grego aistheses, que significa percepção pelos sentidos, e poderia ser traduzido por estesia; assim, o belo é aquilo que nos arranca da an – estesia.
O uso clínico dos anestésicos relaciona-se ao bloqueio da dor, que é produzida por um dos mais sofisticados mecanismos fisiológicos através do sistema nociceptivo, fundamental para a manutenção da vida. O sentido, ou sensação da dor nos mantém vivos e nos alerta contra ameaças que a fisiopatologia denomina “injúrias”. Quando o corpo é “injuriado”, é ativada essa proteção chamada dor.
Trazendo esse conceito para o campo da Arte, da abstração e da linguagem, estamos estésicos quando nos deixamos afetar pelas coisas (e porque não pessoas?) que têm potencial para nos arrancar da anestesia. A leitura literária, por exemplo, possui um enorme poder de produzir estesia, e, insisto nessa teoria, é um dos fatores mais importantes dentre os que influenciam a formação de leitores apaixonados.
Estar estésico é desfrutar plenamente dos nossos sentidos, trazê-los aguçados e usá-los no processo de desvendamento da vida, do mundo, das pessoas, no processo do conhecimento. Não acredito que o aprendizado intelectivo seja superior ao sensorial, e, sim, que essas inteligências se intercomunicam. Desvalorizar o modo sensorial de apreender o mundo nos empobrece, nos anestesia.
Estar estésico é abrir-se à invasão, à injúria, ao prazer e provavelmente à dor; fiquei bastante satisfeita com um comentário que um colega aqui do multiply – http://jozedeabreu.multiply.com, postou num dos contos que tenho publicado, e que reproduzo aqui: “...falo da provocação que ... penetra na mente, que futuca a ferida, que dói uma dor vizinha do prazer.” Estar estésico é aceitar a provocação da beleza, não necessariamente dessa beleza bem comportada, padronizada, que tentam nos impingir, mas àqueles ângulos do belo que só os que não tem os sentidos alienados podem descobrir.
Na verdade, a beleza, assim como outras abstrações, não está presente nos objetos, tampouco nos seres, mas, sim, na delicada relação sensorial que estabelecemos com eles.
Anestesiados, perdemos o essencial.

Sandra R. S. Baldessin

imagem: homúnculo sensorial - representação das partes do corpo quanto à área somestésica, ou seja à sensibilidade. Observem o tamanho acentuado da área das mãos, da face e da boca no contexto da face.

6 comentários:

XXXX YYYY disse...

"A profundidade está na pele", cantava-se em algum café.

Sandra Baldessin disse...

essa é uma verdade incontestável.
besito

Eliana Mora disse...

[...]"Na verdade, a beleza, assim como outras abstrações, não está presente nos objetos, tampouco nos seres, mas, sim, na delicada relação sensorial que estabelecemos com eles.
Anestesiados, perdemos o essencial."
________________sorte que nós, aos poucos, vamos nos "estesiando", e assim podemos nos extasiar com o que [por nós] descobrirmos.

Muito boa interpretação, San, só poderia ser........

besos
El

Sandra Baldessin disse...

obrigada, querida, pela visita e comentário.
besito

Sergio Mattos disse...

Sandra:
em seu "journal", como um todo, podemos encontrar muita profundidade. Parabéns por disponibilizar estes textos e por incentivar o debate via internet.
Sérgio mattos

Sandra Baldessin disse...

obrigada Sérgio, pela visita e comentário que, partindo de você, é bastante valoroso.