domingo, 31 de outubro de 2004

O Mito de S�sifo

Rating:★★★★★
Category:Books
Genre: Literature & Fiction
Author:Albert Camus
Leitura do Absurdo em Camus

Alguns escritores cativam de tal forma nosso imaginário que, ao longo dos anos, retornamos aos seus livros para beber novamente da fonte inesgotável de suas idéias. É o caso de Albert Camus, um dos grandes nomes da literatura universal, nascido na Argélia, na época colônia da França, em 1913.
Antes de completar 30 anos, Camus consagrou-se como escritor com o romance “O Estrangeiro”, obra de referência do Existencialismo francês; nesse mesmo ano, 1942, lançou o ensaio “O Mito de Sísifo”, no qual enfoca a questão do absurdo que viria a fundamentar toda sua produção ensaística e ficcional. A grandeza da expressão literária de Camus está relacionada à nítida perfeição estilística do seu texto, à criação de personagens tão bem construídos que sempre nos lembram alguém - nós mesmos.
Ao eleger o absurdo como alicerce de sua escrita, Camus envereda pela alma do homem, percorrendo os atalhos, examinando as encruzilhadas e clareiras, procurando trazer à luz a relação do eu com o mundo em toda sua complexidade , expondo a ânsia desse homem dividido entre fugir à fragilidade da condição humana e tendo consciência da impossibilidade de fazê-lo. Assim: “o absurdo nasce deste confronto entre o chamamento humano e o desrazoável silêncio do mundo”.
Através de suas personagens, Camus pergunta o tempo todo se a falta de garantias quanto à existência aliada à inexorabilidade da morte retira o sentido ao mundo e, conseqüentemente, à vida de cada um, prevalecendo, somente “este caos, este acaso-rei e esta equivalência divina que nasce da anarquia”. A descoberta dessa absurdidade explode em Mersault, personagem de “O Estrangeiro”, que mata um homem “porque fazia calor”; Mersault, que sentenciado à morte declara: “O que me interessa neste momento é fugir à engrenagem, saber se o inevitável pode ter uma saída".
Através de Mersault, Camus nos mostra como o homem possui esse caráter de estrangeiro, estranho no mundo e entre os outros homens que, no fim, são um só; todos empenhados no absurdo esforço de arrastar a pedra para o alto do rochedo, como Sísifo, e sabendo que ela desabará uma vez, e mais outra, e outra. Contudo, esperando, sempre, que o inevitável se torne reversível.
Para esse homem absurdo,“que, sem o negar, nada faz pelo eterno”; que tem a ousadia de viver no âmbito de seus limites, sem resignar-se ainda que esteja “certo da sua liberdade a prazo, da sua revolta sem futuro e da sua consciência mortal” a vida merece ser vivida mais e melhor, justamente porque ele concluiu que não há esperança e, assim, entendeu a beleza do agora, do momento presente.
Albert Camus nos diz, através de cada personagem, em cada uma de suas histórias, que o simples fato de estarmos vivos já faz com que a vida valha a pena. Dessa forma, a reflexão que traça ao longo de sua obra sobre o absurdo, o sem-sentido, o suicídio, a solidão e a morte, encaminha-se, gradualmente, para a esperança e a solidariedade humanas (que transbordam no romance “A Peste, de 1947) como possíveis soluções do drama do absurdo.
Camus, que ganhou um Nobel de Literatura em 1957, morreu em 1960, num acidente automobilístico. Deixou-nos como herança a sublimidade do seu testemunho de homem: “Amo a vida. Eis a minha verdadeira fraqueza. Amo-a tanto, que não tenho nenhuma imaginação para o que não for vida.”

Sandra R. S. Baldessin



7 comentários:

Marcello Freitas disse...

J� ouviu falar em trabalho de S�sifo? � o meu!

Sandra Baldessin disse...

j� ouvi sim, Marcello, mas, que eu saiba, trabalho de s�sifo � realizado pelas mulheres, pelas donas de casa "todo dia ela faz tudo sempre igual..."
beijins.

XXXX YYYY disse...

Bacana Sandra. Não conheço a obra de Camus a não ser por ouvir falar. Mas esse tema de Sisifo e a percepção da engrenagem, eu acho qualquer coisa. A morte sempre vence, mas há uma graça nessa desgraça de sempre seguir tentando, ou melhor, nem cabe falar de tentar ou esperança. Vou ter que ler com mais calma. Valeu postar.

Sandra Baldessin disse...

obrigada, Narciso, pela visita e comentário.

Luciene Costa de Castro disse...

Em O Mito de Sísifo, Camus diz que 'o contrário do suicida é o condenado à morte', justamente porque, ao perceber que não há como escapar da engrenagem, ele continua vivendo, assim como Mersault, na prisão, e sua mãe, no asilo. E com alegria. E isso dá a medida de sua revolta: Ninguém, ninguém tinha o direito de chorar por ela.', Mersault diz sobre sua mãe. A conversa com o capelão se torna, assim, o trecho mais interessante do livro, para mim.

Sandra Baldessin disse...

Olá Clara, obrigada por sua visita e comentário; e já que recordou bem este trecho, acho que gostaria de ler "As Intermitências da morte", de Saramago, no qual observo um irônico diálogo com essa situãção.
volte mais vezes.
Um abraço

Luciene Costa de Castro disse...

Já estive com o livro do Saramago nas mãos e talvez eu o leia em breve. O estilo dele nunca me tocou muito, na verdade. Mas o enredo deste último me parece tão interesante que estou pensando... Obrigada pelas boas-vindas.