L'Art Machine, de Jonathan Talbot
Empresto de Carlos Drummond de Andrade o
verso que dá título a essa crônica, relembrando que, em 2000, a Máquina do
Mundo foi eleito o melhor poema brasileiro de todos os tempos. Bem, com essa
afirmação tão definitiva não concordo, penso que nem Drummond concordaria, já
que coloca ponto final na possibilidade criativa de todos os poetas
contemporâneos e dos que virão.
Lembrei-me
dos versos, e do poema, ao ouvir a frase mais triste que alguém pode dizer, e
que está se tornando corriqueira: nada mais me surpreende. Dita por uma pessoa
jovem, a frase se revela mais chocante, pois expõe amargura e decepção em
relação à vida
Se
um defunto falasse, ele sim estaria autorizado a emitir essa contundente
declaração, verdadeira apenas para quem já interpretou a última cena e viu a
cortina do teatro fechar-se para sempre. Mas, para qualquer um que siga entre
os vivos, a máquina do mundo - metáfora da experiência e do devir – permanece
entreaberta.
A
decisão de aceitar ou não a oferta da máquina nos pertence. Ou optamos por
olhar a vida com olhos recém-nascidos, ou adotamos os óculos da indiferença, a
capa das pseudocertezas e seguimos a jornada, afirmando que nada mais nos
surpreende.
No
poema citado, a postura do eu - poético de Drummond é a do desengano; suas
“pupilas gastas” não são afetadas pela beleza, suas “mãos pensas” já não são
suficientes para comportar mais conhecimento. E, aqui, nos ilumina o segredo do
poema: Drummond falava dos homens de seu tempo, homens que abortaram qualquer
possibilidade de surpreender-se, preferindo a “treva mais estrita de uma
estrada pedregosa”.
Oro
para que jamais chegue o dia em que me falte o espanto essencial. Peço que
minhas pupilas sejam afiadas diariamente pela luz da beleza que extravasa da
cena mais banal, pela delicadeza dos gestos mais corriqueiros, pelos cães
vira-latas e pelas cores desprezadas das flores que brotam
espontaneamente.
Não
surpreender-se é abrir mão da humanidade. É ignorar que o próprio Deus, para
alentar a chama da Sua esperança no homem que criou, embrulha surpresas e
alegrias no mais sensível pacote que alguém pode receber: o corpinho de um bebê.
O
caminho é de pedras, a hora é a hora do medo, os seres humanos continuam tão
desumanos como sempre. Se nem o bem, tampouco o mal já nos surpreendem, então
já não é possível sonhar mudanças.
Mas,
se em algum lugar do planeta há alguém boquiaberto diante da máquina do mundo
entreaberta, viva! Talvez, nem tudo esteja perdido, diante da surpresa e do imprevisto,
vamos responder com a “esperança
mais mínima — esse anelo/de ver desvanecida a treva espessa/ que entre os raios do sol inda se filtra...”
Sandra Baldessin
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