sexta-feira, 28 de janeiro de 2005
Divagações em torno do poema de Hilda Hilst
“E porque desejarias a minha alma em tua cama?”
Hilda Hilst
Inventei meu corpo para que o possuas, para que penetres os véus da minha carne com a lâmina clandestina do teu desejo que me pertence. É no meu corpo que te experimento, objeto agudo. Só há uma condição para seres recebido neste paraíso: tua fome. E que não seja a fome do signo impossível, mas, das coisas acessíveis.
Se eu pressentir que, ao me abraçares, procuras mais do que a minha carne latejante, como se esta fora apenas a embalagem de uma suposta alma, então já te negarei a entrada em meu jardim. Tens que trazer a tua boca cheia de água, e as mãos de tal forma dominadas pela ânsia de tocar-me que elas me alcancem as entranhas, transpondo a barreira da pele.
E quando olhares nos meus olhos, não os entenda janelas para o infinito de mim mesma, pois nestes labirintos não tens permissão para adentrar. Na chama em que me fazes arder, na centelha dela, que rebrilha no olhar, somente nela podes te queimar.
Quando me tocares, que te devore um desejo louco de, nu, subires numa árvore alta; de afundares no barro. Que te domine a vontade de ser líquido, viscoso. Que me sejas luz, e todos os meus poros te refletirão. E por mais que te pareça o céu, lembra-te que és pó, e o meu ventre, terra.
Nem por um segundo creias que encontrastes neste corpo que se arremessa ao teu a tua alma-irmã. Lembra-te de indagar o que tu amas quando me ama e de não me amar pelo que não há em mim.
Sandra R. S. Baldessin
*imagem: escultura de Rodin; disponível em: www.jefferyscottmitchell.com
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4 comentários:
Não é fácil dialogar com Hilda: escolheste muito bem. A gente sente as palavras [embora contundentes] hiperrealistas, ao extremo [próprio dela]; e no entanto, consegue alcançar a 'grandeza' de dimensões da fantasia que fazemos com o outro. E vice-versa.
beijos
Eliana
obrigada, Eliana, na verdade acho que eu deveria dizer: divagações em torno do poema da Hilda, porque ela é realmente muito complexa.
beijos e obrigada pela visita.
É uma pena que eu não possa publicar meu silêncio.
Não o silêncio da indiferença, mas aquele da contrição, do respeito, da admiração...
hum, você sabe se dizer, Joze. gracías pelo silêncio das entrelinhas.
beso
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