domingo, 28 de agosto de 2005

Pai Patrão

Rating:★★★★★
Category:Books
Genre: Literature & Fiction
Author:Gavino Ledda
Gavino Ledda ou Gaínu de sus Ágües, como prefere ser chamado, é o aclamado autor de “Pai Patrão”, seu primeiro romance, lançado em 1975. O livro tornou-se mundialmente conhecido, principalmente após o filme homônimo dos irmãos Taviani, que ganhou a Palma de Ouro no festival de Cannes, em 1977.
Pai Patrão, certamente, é uma importante obra da literatura italiana, e sua relevância guarda estreita relação com o autor, cuja história de vida é retratada no romance. Gavino Ledda, filho de um camponês quase miserável, foi arrancado dos bancos escolares aos seis anos de idade, para desempenhar a tarefa de pastor conforme exigido pelo pai, seu “proprietário”.
A partir desse momento, Gavino vivenciou a infância trágica que descreve no livro; aos seis anos de idade, franzino e assustado, o pai o responsabilizou pela guarda do rebanho, e, depois de um curto período de ‘treinamento’, que o pai fez questão de marcar com uma violência furiosa, iniciou-se o período que ele chamou de “reclusão selvagem”. Numa das mais belas passagens do livro, o autor diz, referindo-se a si mesmo quando menino: “Agora eu também era uma semente e devia nascer e brotar (naskere e tuddire) sozinho no nosso campo, e seguir as leis do reino vegetal no pousio da solidão, como todos os pastorzinhos da Sardenha”
Assim, o menino, mais que experimentou, foi vivido pela solidão. Esse é o aspecto que mais chama a minha atenção na obra: creio que essa solidão, quase uma entidade, estabeleceu sua própria geografia no corpo e na alma de Gavino, muito mais do que as surras violentas que o pai aplicava para ‘ensiná-lo’. Muito mais do que a fome, a miséria, a falta de perspectivas, a solidão engendrou o futuro e improvável escritor.
O livro “Pai Patrão” surgiu como uma outra forma de expressar o seu grito: “De tanto em tanto eu soltava um grito no silêncio interminável e medonho do bosque. (...) Naquele tempo eu tinha medo daquele silêncio e o fato de eu próprio quebrá-lo, mesmo que com um grito em parte produzido pelo medo, dava-me coragem. Assim acontecia que o mesmo medo que eu tinha daquele silêncio gerava, através dos gritos, uma constante de coragem com a qual conseguia vencer o terror que aquele silêncio incutia em mim, com sua interminável monotonia.”
A solidão que orquestrava os gritos também foi mestra: “A solidão do bosque e o silêncio profundo do ambiente (...) que para mim já não era mais silêncio. De tanto ouvi-lo aprendera a entendê-lo e tornara-se para mim uma linguagem secreta. (...) Por causa da solidão, a natureza representava para mim um ‘você’ indefinido: o único ‘você’ amigo com quem podia me comunicar sem vergonha nem constrangimento.”
Gavino Ledda relata que a palavra chegou a perder a importância para o menino solitário que foi, pois os sons da natureza e do silêncio levaram-no a criar um dialeto próprio, íntimo, cantado e, nesse dialeto, ele renomeou o seu mundo.
Os anos se passaram, o menino deu lugar ao adolescente que, por sua vez, abriu caminho ao homem: “E mesmo sendo um pastor sem malícia, mais ingênuo que o carneiro que fecundava minhas ovelhas, dentro de mim rugia um furor de conquistar algo de que eu não tinha consciência. (...) O meu eu, que permanecera intocado com todos os seus recursos interiores, estava à espreita, à espera de um eventual renascimento.” Aproximava-se o momento em que deixaria de ser propriedade do pai e seu instrumento de trabalho, o momento da ruptura com tudo que a autoridade paterna simbolizava. A história dessa ruptura que, então percebemos, já se delineava desde o princípio.
Alfabetizado aos 20 anos, Gavino Ledda sentiu grande interesse pela escrita e pela língua, dedicando-se ao estudo da Lingüística e, posteriormente, tornando-se professor universitário; foi a descoberta do poder da língua e do diálogo (sempre considerado subversivo pela autoridade patriarcal) que transformaram o pastor em autor, narrador e personagem da sua própria história. E mais: ao narrar esta história, o camponês Gaínu de sus Ágües emprestou a sua voz a todo o seu povo, exprimindo uma realidade que supera aquilo mesmo que busca expressar. De “Pai Patrão” Gavino diz: “Isso não é um livro, é terra.”

Pai Patrão. Gavino Ledda. Berlendis e Vertecchia Editores, 2004.

Sandra B.

6 comentários:

Jose Liborio disse...

Taí um livro que adoraria ler, principalmente no original. O filme foi bastante marcante e gostaria de encontrá-lo em DVD.
Boa lembrança, Sandra. Beijos!

Sandra Baldessin disse...

hum, boa idéia, vou procurar em dvd. O Gavino Ledda é uma pessoa excepcional, eu o conheci em 2004, através da tradutora do livro que é minha amiga, e fiquei fascinada. O conto Recanto, anexado à nova edição de Pai Patrão é uma verdadeira experiência linguística. Eu amei.
beso amigo, estava sentindo sua falta.

Adair CJ. disse...

não li este livro Sandra.
mas fiquei com muita vontade de lê-lo.
O filme tb não vi ainda mas está na fila..

bjao

ps. já lhe disse que você é ótima resenhadora ?

Sandra Baldessin disse...

e eu já lhe disse que vc é muito gentil, poeta?...rsrs
Bem, se posso lhe pedir isso, gostrai que lesse o livro antes de assistir o filme, aliás, a nova edição, traduzido pela Liliana Laganá, que está realmente linda.
Posso lhe emprestar.
beso

Adair CJ. disse...

vou tentar atender-te, Sandra.
Mas naqueles tempos de cine-clube vi tantos filmes - e inúmeros italianos - que talvez já o tenha visto e, agora, não me lembro.

bjao

Sandra Baldessin disse...

claro que entendo. digo isto porque o filme acaba sendo a terceira interpretação sobre o vivido, que já foi filtrado pelo autor...
beso