domingo, 31 de julho de 2005

Frutos do mar

Rating:★★★★★
Category:Books
Genre: Literature & Fiction
Author:Pedro Garcia*
Dos frutos de Pedro

Não é nas estantes das bibliotecas ou das livrarias que se descobre um poeta. Não. Ali, nós apenas observamos os nomes, alguns bem conhecidos, outros nem tanto. Também não basta folhear as páginas dos livros, tampouco praticar uma leitura superficial. Podemos até dizer: “ah, esse livro eu já li” ou “esse poeta eu conheço”. Não se trata, ainda, de ter sido apresentado ao poeta e talvez ter trocado com ele um aperto de mãos, e sair, levando para casa um livro autografado.
Descobrir um poeta é ato que exige calma. Exige longos silêncios e a busca daquela espécie de solidão povoada das imagens que o poeta vai construindo à medida em que mescla sua imaginação à palavra-prima. Poucas coisas na vida oferecem tanto prazer como descobrir um poeta. Pensando assim, entendemos porque o educador Rubem Alves defende que precisamos ter uma relação erotizada com a leitura.
Venho convivendo e descobrindo a poesia de Pedro Garcia* há pelo menos três anos. Sendo leitor-destinatário, não me interessa quando o livro foi publicado, e, sim, quando finalmente chegou às minhas mãos;“Frutos do Mar”, por exemplo, me chegou quase vinte anos após sua publicação.
A poética de Pedro Garcia cativa-nos pela delicadeza da combinação de palavras, principalmente naqueles poemas cujo tema pode parecer grotesco: “a forca fascina pela forma de forca/pelo laço móvel sobre o pescoço/pela fragilidade do bicho-homem exposto” . Na forca, como no poema, sobressai a beleza da forma e a constatação da fragilidade do poeta, aqui representado pelo bicho-homem e representante dessa espécie frágil, exposta em laço e letras; uma beleza que, aquele que conhecer, morre. Ou melhor, uma beleza que está além da possibilidade de conhecimento: “o que atemoriza na forca (...)/é a fragilidade humana – toda- naquela/ expressão trágica de impotência”.
A delicadeza marca o tom de todos os poemas, e, muitas vezes, surge mesclada à sensualidade: “seio escultura/lábio pintura/perna metálica/ranger porta/planta (verde clorofila)/amada deitada (relva)/amante (tronco)/sorriso/festa dança/ranger porta/(uma clareira verde sobre o jornal)/crença sol”.
A poesia de Pedro Garcia agrada-me, sobretudo, por valorizar a palavra como razão inequívoca do poema; por definir o trânsito da palavra pelo poema: “Sabes de alguém, em tênue desespero, suspenso por leves fios/de aranha, que de noite, com longos e afilados dedos/dedilha à janela do meu quarto uma sonatina de compositor barroco?”
Em sua poética, a pureza da palavra-prima não fica obscurecida pelo cinzelar do poeta, como se este pudesse conferir-lhe beleza, mas, o trabalho do poeta é polir até que essa beleza inerente à palavra aflore: “deus esperando-me na eternidade cansativa:/ e eu já rochedo/já pedro-pedra/já quase jasmim meu braço pendente já erva desfeito de identidade” E, quando aflora, revela na forma e no conteúdo o caráter de inventor do poeta: “para cada ser de asas/que invento/com pernas e penas/e bicos e bocas/há um sol/(estrela luminosa)/a iluminar-lhes contradições”
O poema surge encarnado na palavra que lhe empresta sua carne para manifestar-se e preservar o que precisa ser guardado na memória: “e assim conservados os sons e as cores sejam as palavras corporificadas neles”
É no poema que descubro o poeta; é no poema que experimento a redescoberta da palavra em sua infinita possibilidade de ressignificação da vida, do cotidiano, dos seres. É necessário ter calma para vivenciar esse processo. Há que se ruminar, como queria Nietzsche: “(...)é imprescindível ser quase uma vaca e não um ‘homem moderno’” .
O prazer é garantido: palavra de leitor!

*Pedro Garcia, poeta, educador, antropólogo; entre 1960 e 1979 o poeta publicou Ilha Submersa, Paisagem Móvel e Trapézio &Trapezista; Frutos do mar foi publicado em 1986 e, em 1993, foi lançado o livro de poemas Escadas Improváveis.

imagem: fotografia de Lívia Alessandrini.

2 comentários:

Juliana Dias disse...

Obrigada pela dica.
Concordo c/ Alvez.
É preciso se deixar seduzir pelas palavras e suas relações oblíquas. É preciso "saboreá-las".
Em se tratando de poesia... a tendência a experimentar uma certa Excitação deve ser constante... só assim poderemos vir a estabelecer uma relação mais intimista c/ a poesia e seu autor.

bj.

Sandra Baldessin disse...

Oi Juliana, estou feliz com sua visita ao meu sítio, obrigada pelas leituras e pelos comentários.
volte sempre, também vou visitá-la em seu endereço.
beso