sábado, 23 de abril de 2005

Leituras e leitores


O jornal Rascunho, edição de março de 2005, traz um artigo interessante do escritor Nelson de Oliveira, texto que discute o tema abordado por ele no seminário Leitura de Inquietações, na mesa redonda – Literatura: só quem a lê é leitor?


Nelson relata que o assunto proposto pelos organizadores do seminário “atazanou” sua vida, enquanto buscava a melhor maneira de expressar sua opinião, que se resume na frase: “Os milhões de brasileiros para os quais Joyce e Rosa, Maiakovski e João Cabral, Kafka e Clarice não fazem o menor sentido, esses não podem ser considerados grandes leitores.”


Declaração polêmica, que o próprio Nelson admite ser politicamente incorreta, mas, segundo seu ponto de vista, a tentativa de ser sutil, quando se trata dessa questão, resvala para a “demagogia e a hipocrisia” Concordo com ele sob esse aspecto.


Discordo, porém, com a definição “alta literatura” com a qual ele classifica as obras acessíveis apenas aos “leitores sofisticados”, aqueles que possuem a chave que abre as portas desse universo de signos tão belos e perturbadores. Essas obras compõem a Literatura, e ponto final. É preciso encontrar palavras que definam e classifiquem todas as demais escrituras que não se identifiquem como literárias.


Pessoalmente, considero uma afronta a Machado de Assis, Nélida Piñon, Guimarães Rosa e, por que não, ao próprio Nelson de Oliveira, classificar como Literatura os livros de auto-ajuda, os livros dos marqueteiros e tantos outros, como por exemplo, aquele lançado pelo jogador de futebol Renato Gaúcho. Livros que tem uma finalidade, que foram escritos para alguma coisa.


A Literatura não tem a menor utilidade, por isso sacia a nossa fome das coisas últimas e não das coisas úteis. As obras verdadeiramente literárias demarcam um território poderoso em nosso imaginário, reinventam os nomes das coisas, o sentir e os sentidos, recriam nações e seus homens, traçando a geografia dos mundos possíveis. Eu me defino como ser-no-mundo quando afirmo: sou do país de Guimarães Rosa, do estado de Mário de Andrade, da cidade de Florideu Gervásio.


A Literatura é inscrição que permanece, corpo-de-saber que, ao criar, instituir e transmitir conhecimentos funda nossa história e influencia nossa identidade, basta relembrar o que Homero representa para os gregos e Shakespeare para os bretões.


Assim, concluo que estou ao lado dos politicamente incorretos. Não por acreditar que o acesso à Literatura deva ser privilégio das elites intelectuais, mas, por não concordar que para se construir uma sociedade mais democrática e igualitária seja necessário baixar os padrões que definem a verdadeira Literatura, coisa mais fácil de ser feita do que uma revolução cultural e educacional que ofereça a chave desses universos para um número cada vez maior de pessoas.


 


Sandra R. S. Baldessin


 


Imagem: fotografia do livro "Cazador de libros -  en busca de los libros malditos"

7 comentários:

Despudorada Alma Malmal disse...

eu hein ?, serei então politcamente incorreta por achar uma afronta o sr. Paulo Coelho Citações, ter a projeção que tem pelo que escreve?
e mais ....a chave para a chamada literatura de elite, seria no meu caso ter grana para comprar os livros que quero ler sem depender de esperar que eles apareçam nos sebos da vida,Concordo que somente tomei conhecimento de alguns escritores pela curiosidade de saber quem eram os 'Donos das palavras", mas acho até um fato natural sendo que não convivo em um ambiente estimulante intelectualmente, fato normal à um sem-numero de pessoas, então ai sim estaria a chave, ou chaves....comoconhecer sem que eles nos sejam apresentados ?como ter acesso com o livro não sendo parte da cesta básica?......como...fácil as pessoas olharem o mundo sempre a partir do centro dele e não pelas beiradas...

~Sinto se não fui clara, mas pelo sim pelo não , usei seu post pra brigar com o Nelson.hehhehe, beijo

Sandra Baldessin disse...

oi amiga, pode brigar com Nelsinho a vontade que eu deixo e ele adora...rsrs

Despudorada Alma Malmal disse...

então manda minha revolta pra ele.rsrs beijo, vou tentando por aqui, mais é dificil......

Sandra Baldessin disse...

tá bom, eu mando. mas, não para de tentar...rsrs

Adair CJ. disse...

Muito bem, Sandra.
Concordo em número e grau.

Adair

AluiZio Derizans disse...

"Pessoalmente, considero uma afronta a Machado de Assis, Nélida Piñon, Guimarães Rosa e, por que não, ao próprio Nelson de Oliveira, classificar como Literatura os livros de auto-ajuda, os livros dos marqueteiros e tantos outros, como por exemplo, aquele lançado pelo jogador de futebol Renato Gaúcho"



Fiat Lux!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Sandra Baldessin disse...

ah que bom, fico feliz em saber.
besitos