sábado, 4 de março de 2006

A mulata de Córdoba


Description:
A MULATA DE CÓRDOBA*

Ingredients:
*Traduzido e adaptado por Sandra R.S. Baldessin ©
Imagem: "La hechicera española"

Directions:
Diz uma antiga lenda que, há mais de dois séculos, vivia na cidade de Córdoba, no Estado de Veracruz, uma mulher muito formosa, que jamais envelhecia, à despeito do passar dos anos. Todos a chamavam de ‘Mulata’, por causa da cor de sua pele, dourada pelo sol. Além do mais, corria a fama de que esta mulher era advogada das causas impossíveis: as moças que não tinham prazer no sexo, os homens que perderam o vigor, os trabalhadores sem emprego, as pessoas com enfermidades graves, todos a procuravam para resolver seus problemas e, a todos eles, a Mulata atendia.
Acontece que os homens ficavam presos por sua formosura e disputavam entre si para ver qual conquistaria o seu coração. Ela, porém, não correspondia a nenhum deles, pelo contrário, os desdenhava. Todos comentavam os poderes da Mulata e diziam que era uma bruxa, uma poderosa feiticeira. Algumas pessoas garantiam que já haviam surpreendido a Mulata voando sobre os telhados, sem falar nos seus belos olhos negros, que, segundo diziam, despediam miradas diabólicas ao mesmo tempo em que a bela sorria com seus lábios vermelhos e dentes muito brancos.
Falavam a boca pequena que a Mulata tinha pacto com Satã e o recebia em sua casa. Quando ele a visitava, sempre depois da meia-noite, quem passasse defronte à casa da bruxa veria claramente uma luz sinistra brilhando por entre as rendas do cortinado e pelas frestas da porta: uma luz infernal, como se dentro da casa estivesse ocorrendo um grande incêndio. A fama daquela mulher ultrapassava fronteiras, era imensa! Até canções populares cantavam os seus prodígios.

Ninguém sabe ao certo por quanto tempo essas histórias circularam, aumentando a fama da Mulata. O que todos dão por certo é quem um certo dia, foi levada da cidade de Córdoba e conduzida presa pelo Tribunal da Inquisição, até a cidade do México, acusada de bruxaria e satanismo.
Conta-se que na manhã do dia em que deveria ser executada, o carcereiro entrou no calabouço onde estava acorrentada, e ficou surpreso ao ver que em uma das paredes da cela a Mulata desenhara um navio. Ela sorriu e lhe perguntou: “Bom dia, carcereiro, podes me dizer o que falta neste navio?” O pobre-diabo respondeu com uma imprecação: “Tu és uma desgraçada! Se te arrependesses, não irias agora morrer!”
Ela, porém, insistiu: “Anda, diz-me o que falta a este navio”. Intrigado com a pergunta, o carcereiro respondeu: “Claro está que falta um mastro.” Ao que a Mulata prontamente retrucou: “Se um mastro lhe falta, um mastro ele terá!” O carcereiro se retirou da cela com o coração cheio de confusão, não conseguia entender as palavras enigmáticas da Mulata.
Por volta do meio-dia, o carcereiro voltou à cela e contemplou admirado o desenho. “E agora, carcereiro, o que falta ao navio?” Perguntou a bela mulher. Mais uma vez ele exortou-a: “Desafortunada mulher, se queres salvar tua alma das chamas do inferno, ajoelha e suplica o o perdão perante a Santa Inquisição, encarregada de te julgar. O que pretendes com tais perguntas? Está claro que ao navio faltam as velas. Imediatamente a mulher replicou: “Se as velas lhe faltam, as velas ele terá!”
Mais uma vez o carcereiro se retirou, abismado com aquela misteriosa mulher que, nas últimas horas de vida que lhe restavam, desperdiçava o tempo desenhando, sem temor da morte. Quando caiu a tarde, hora em que se cumpriria o destino da Mulata, estando tudo preparada para sua execução, o carcereiro entrou pela terceira vez em sua cela. Ela aguardava-o sorridente, de tal forma que sua beleza exuberante mais se destacava no cenário feio e sujo do calabouço. Perguntou-lhe: E agora, o que falta ao meu navio?
O homem, aflito, gritou: “Infeliz mulher, põe tua alma nas mãos de Deus Nosso Senhor e arrepende-te dos teus pecados. A este navio, a única coisa que falta é navegar, está perfeito!” A Mulata, mais bela do que nunca, respondeu, exultante: “Pois se Vossa Mercê o deseja com toda força de sua vontade, o meu navio navegará!” Dito isto, sob o olhar aterrado do carcereiro, a Mulata, tão veloz quanto o vento que começou a soprar, saltou para o navio e este começou a se mover, primeiro lenta, e, depois, muito rapidamente, a toda vela, e em questão de minutos desapareceu, levando a formosa prisioneira.
O homem caiu de joelhos, imobilizado pela surpresa, seus olhos saltavam das órbitas, sua boca não poderia estar mais aberta e seus cabelos estavam em pé! Ninguém jamais voltou a colocar os olhos na Mulata. Todos imaginam que esteja com o demônio.
Quem crê nos contos de feiticeiras, que comece a pintar navios nas paredes!

4 comentários:

Gilberto Uryn disse...

Lembra do Queen? It's a kind of magic!!!

Segundo vários manuais antigos, toda magia para se completar, depende da energia de alguém mais, além da do próprio mágico. Por isso a Mulata precisava que ele dissesse o que faltava; foi o carcereiro quem permitiu a ela navegar. E não é assim na vida real? Não navegamos sempre levados por estímulos? E onde nos abastecemos desses estímulos? Verdade que alguns vem da nossa alma, mas a maioria, vem de outros.

Já conhecia essa história, só não sabia qual a verdadeira origem, aprendi como sendo uma cabocla. Mas a história é lindíssima.

Beijão.

Sandra Baldessin disse...

besito e obrigada pela leitura.

Jose Liborio disse...

Nossa! Estou arrepiado... O cérebro ainda trabalhando para assimilar o conteúdo... Depois dou novo retorno..rs... Beijos!!!

Sandra Baldessin disse...

é de arrepiar, não? eu tb gosto muito dessa história, confirma o velho ditado popular: "quando um não quer, dois não podem".
besito.