sexta-feira, 7 de setembro de 2007

História do Rei Transparente

Rating:★★★★★
Category:Books
Genre: Literature & Fiction
Author:Rosa Montero
Acabo de ler o instigante livro de Rosa Montero: “A História do Rei Transparente”. A autora é, hoje, uma das mais aclamadas escritoras de Espanha.
A ação se desenvolve num conturbado momento histórico: final do Século XII e início do Século XIII; período marcado pelas lutas internas do catolicismo romano, que, com a violência que posteriormente resultou na Inquisição, resistia a quaisquer questionamentos que pudessem ameaçar sua dominação. As vozes dissonantes, como as dos cátaros, eram imediatamente classificadas como heréticas, e a perseguição promovida pelo papado culminava em enormes fogueiras.
Para contar essa história, Rosa Montero elegeu uma personagem que, naquele contexto, estava relegada ao silêncio: uma mulher. Leola, uma adolescente de 15 anos, se revolta contra a miséria e a violência do mundo feudal e decide adotar uma personalidade masculina. Rouba a armadura de um soldado morto e se transforma num cavaleiro, um “mercador de sangue”, que se aluga para lutar as guerras alheias. E, assim, através do olhar de Leola, posteriormente “Senhor de Zarco”, a escritora nos desvenda os cenários da Europa Medieval.
Montero abre-nos a porta de um mundo no qual a vida humana não possuía valor algum (qualquer semelhança com a contemporaneidade não é mera coincidência); cenários que nos mostram o coração das trevas, ou, talvez, as trevas de que são feitas as almas dos homens, muitas vezes, daqueles mesmos que convencem o mundo de que são “iluminados”.
Encontramos, ainda, a presença de algumas figuras históricas bastante polêmicas: a rainha Leonor de Aquitânia e seu filho, Ricardo Coração de Leão; Bernardo de Claraval, célebre e cruel intelectual católico, fundador da Ordem dos Templários; Abelardo e Heloísa, entre outros.
Mas, não se enganem, a trajetória de Leola não é, de modo algum, a verdadeira história do livro. Tampouco a “História do Rei Transparente”, narrativa que se constrói paralelamente à de Leola.
Dentre as muitas histórias que se entrelaçam na narrativa de Rosa Montero há uma, subliminar, que se desenha nas linhas e entrelinhas do texto: a história da palavra.
Leitor algum sairá intacto da História do rei Transparente, nenhum estará inocente diante das páginas em branco no final do livro. Nem um sequer, deixará de meditar até encontrar o significado do enigma que Montero nos propõe nas últimas linhas; e, sabemos, dessa resposta depende a nossa vida: “Quando me nomeias, já não estou.”


Sandra Baldesin

quarta-feira, 11 de abril de 2007

Naipi e Tarobá


Description:
Naipi e Tarobá

Uma lenda dos índios Caingangues. Recontada por Sandra Baldessin

Ingredients:
Há séculos, às margens do Rio Iguaçu vivia a tribo dos Caingangues. A terra não tinha fronteiras como hoje a conhecemos, dividida entre Brasil e Argentina. Os caingangues amavam o rio que lhes oferecia o sustento.
Os Caingangues serviam com temor ao deus Mboi – gigantesca serpente que habitava as profundezas o rio Iguaçu. O deus Mboi, para abençoá-los, exigia que lhe entregassem as indiazinhas mais bonitas da aldeia. Numa cerimônia muito triste, as índias ornamentadas com flores, como noivas, despediam-se de suas famílias e, depois, eram levadas de canoa até o meio do rio; ali, saltavam para as águas escuras e passavam o resto de suas vidas servindo a Mboi.
Os anos passavam e nada mudava. Certa vez, uma índia já velha pariu uma filha às margens do Iguaçu.
Naipi cresceu para tornar-se a mais bela jovem que já fora vista pelos olhos dos Caingangues. Seus olhos possuíam as nuances das Grandes Águas quando iluminadas pela luz do sol ou da lua. Sua formosura era tanta que, quando ela se mirava no rio, as águas paravam para admirá-la.
Um dia, quando ela se banhava no rio, Mboi a viu e seu coração estremeceu: aquela era a mais linda de todas as mulheres! Imediatamente, ordenou que a entregassem a ele.
Que pena! Todos na aldeia ficaram angustiados, mas não havia outro jeito: seria necessário sacrificar a jovem. Naipi estava prometida para um jovem guerreiro, Tarobá. Eles se amavam de todo coração e o sofrimento por saber da iminente separação os deixou em profunda agonia, porque Naipi não ousava pedir que a tribo desobedecesse ao deus, por medo de que ele os castigasse a todos.
Naipi e Tarobá decidiram, então, atrair para si mesmos a ira de Mboi e resolveram fugir, esperando que o amor que sentiam um pelo outro fosse maior que o poder de Mboi. Era tempo das cheias e a única rota de fuga possível era justamente pelo domínio do deus-serpente: o rio Iguaçu. O monstro percebeu a fuga e enfureceu-se muito, perseguindo os dois jovens apaixonados.
Apesar de ser grande e poderoso, de repente Mboi viu que Tarobá e Naipi conseguiriam escapar em direção ao rio Paraná. Assim, num esforço supremo, ele ergueu seu imenso corpo, produzindo um som ensurdecedor pelo deslocamento das águas; em seguida, deixou-se cair com estrondo, criando uma enorme fenda no rio Iguaçu, que, devido ao impacto, teve sua extensão toda fendida, em abismais catadupas.
Surgiram, assim, as esplêndidas Cataratas do Iguaçu, cuja beleza pungente só pode ser comparada à formosura da face de Naipi e cujo força só se mede pelo amor dos dois jovens.
A canoa que os levava foi tragada pelas águas e desapareceu.
Como castigo, Naipi foi transformada em uma das grandes rochas centrais das Cataratas; e Tarobá foi transformado em uma árvore, à beira da cachoeira. Um via o outro, mas jamais poderiam se tocar novamente.
Dizem que Mboi está lá até hoje, escondido pela espuma das águas, vigiando os dois índios apaixonados...







Directions:
imagem: foto feita por mim, em fevereiro de 2007.

terça-feira, 26 de dezembro de 2006

Garou, Daniel Lavoie & Patrick Fiori "Belle"




No vídeo, a canção Belle, do musical Notre Dame de Paris, interpretada por Garou, Daniel Lavoie e Patrick Fiori.

domingo, 12 de novembro de 2006

Imensa asa sobre o dia

Rating:★★★★★
Category:Books
Genre: Literature & Fiction
Author:Antonio Mariano
Ouvi, certa vez, a afirmação que é mais fácil escrever um romance ou novela do que um conto. Concordo. Escrever um conto que consiga se apropriar das estruturas narrativas e, através delas, produzir um efeito singular no leitor não é tarefa fácil. E, observem, o termo ‘tarefa’, nesse caso, é muito pertinente.
Antonio Mariano, escritor paraibano, poeta consagrado, com seu Imensa asa sobre o dia, livro de contos que integra a Coleção Tamarindo, revela-se um excelente contista.
Imensa asa sobre o dia reúne 13 contos; os protagonistas de todas as histórias são nomeados Jailson, pelo autor. A paixão pela origem dos nomes me obriga a referir que, se Jah é o nome de Deus, as personagens de Mariano trazem o estigma de todos os filhos de Jah: a inexorabilidade da condição humana.
Particularmente, (já que sou viciada em Tchekhov – supremo mestre de todos os contistas - e em Cortazar, seu discípulo) observei que Mariano demonstrou, já nesse primeiro livro de contos, a característica principal de um contista com potencial para se destacar entre seus contemporâneos: seus contos possuem o delicioso caráter de jogo.
Essa função lúdica presente nos contos de Mariano se revela em toda sua expressividade no conto A construção do silêncio. O enigma doloroso da convivência humana surge no jogo de ‘gato e rato’ estabelecido entre o pai e o filho. O conto se dá justamente no momento em que as mentiras essenciais que sustentam essa delicada relação se tornam insuficientes, no instante limiar em que “é tarde para desistir”, como a própria personagem observa.
Aliás, o sentido de compreensão tardia de coisas fundamentais para a sobrevivência das personagens permeia todas as histórias e esse fator contribui para ampliar a imagem de jogo presente nos contos. Em Seguindo Alice, sobretudo, a crueldade embutida no conceito de ‘tarde demais’ se cumpre plenamente.
Assistimos as personagens se movimentando no tabuleiro labiríntico que Mariano construiu especialmente para elas e tentamos adivinhar se atinarão com a saída. Ilusão vã que alimenta os filhos de Jah.
Desde as pequenas mazelas até os grandes crimes e insuportáveis alvoroços da alma e do corpo, tudo que é comum ao homem está presente nos Jailsons de Antonio Mariano.
Destaco, ainda, dois dos contos mais instigantes da coletânea: O poeta e O dia em que comemos Maria Dulce. Em O poeta Mariano recupera um desejo surrealista: a possibilidade de viver como poeta, de poetizar a vida, ainda que jamais tenhamos escrito qualquer verso. Um pacato e invisível funcionário público enlouquece (ou chega à razão suprema) e se declara, irreversivelmente, poeta. O conto, em sua aparente simplicidade, revela a condição marginal do poeta e da poesia na sociedade contemporânea.
O dia em que comemos Maria Dulce foge ao realismo presente em todos os outros contos. Mariano utiliza recursos do gênero fantástico-maravilhoso para nos conduzir numa viagem insólita ao reino da fome e das pulsões inimagináveis: “Podia sentir o mormaço do corpo dela... O hálito que era como o bafo de um bolo assando, uma porção de caramelo saindo pelas bordas do tacho, um pudim fumegante, um doce de leite dando o ponto. (...) Minha boca encheu-se d’água.”
E mais não digo. Leiam o livro.

(Crônica Literária, Sandra B.)

A vingança dos objetos


XV Canto

lençóis no
varal
a tarde
branca se
alastrando em
nossos corpos -
velas ao
mar

Sandra B.

 

Imagem: Vênus e Marte. Boticelli. Disponível em:
http://pintoresfamosos.juegofanatico.cl/images/botticelli/venus_marte.jpg

Caribay e as cinco águias brancas


Description:
Essa história faz parte da mitologia dos Mirripuyes (antiga tribo da região dos Andes venezuelanos).
Integra uma coletânea de contos de tradição oral de vários povos, fruto de uma pesquisa temática que estou realizando e que aborda o tema paixão.

Ingredients:
Caribay e as cinco águias brancas
Tradução de Sandra R.S. Baldessin

Directions:
Esta é a história de Caribay, a primeira mulher criada. Ela era filha do ardente Zuhé (o Sol) e da pálida Chía (a lua). Caribay era formosa, manifestava-se como um gênio das florestas aromáticas. Podia imitar perfeitamente o canto dos pássaros e suas companheiras eram as flores e as árvores, com as quais passava os dias em alegres brincadeiras.
Certo dia, Caribay olhava o céu quando viu cinco esplêndidas águias brancas. A beleza de suas plumas despertou a paixão na linda jovem que começou a seguir as águias por todos os lugares, atravessando vales e montanhas, seguindo, incansável, as sombras das aves que se desenhavam no solo. Afinal, chegou a um lugar muito alto, e desse local pode ver que as águias desapareciam nas alturas azuladas do firmamento.
A tristeza tomou conta do coração de Caribay, pois ela desejava ardentemente adornar-se com as plumas das águias. Então, Caribay ergueu a sua voz e clamou por Chía, sua mãe. Não demorou muito e as águias surgiram novamente diante de seus olhos úmidos de lágrimas. Enquanto as imponentes aves voavam harmoniosamente, Caribay cantava com toda doçura, para atraí-las.
As águias, então, encantadas pelo som adorável do canto de Caribay, se quedaram, imóveis no ar. Carybay aproveitou essa imobilidade e correu até elas, para arrancar-lhes as penas, que sua paixão exigia que possuísse. Porém, um frio glacial petrificou suas mãos antes que ela pudesse alcançar as águias. Percebeu, então, que as aves, enfeitiçadas por sua voz, ao deixarem de voar ficaram enregeladas e se converteram-se em cinco enormes massas de gelo.
Caribay gritou, aterrorizada. Pouco depois, Chía se obscureceu e as cinco águias despertaram. Furiosas, sacudiram as suas penas imaculadas e, assim, toda a extensão da montanha se engalanou com a belíssima plumagem branca.
Os blocos de gelo do qual se libertaram as águias originaram as incomparáveis serras nevadas da Mérida. As águias simbolizam os cinco picos eternamente cobertos de neve, que são as plumas congeladas das aves. As grandes e tempestuosas nevadas que ocorrem no local são um cerimonial da natureza, que relembra o furioso despertar das águias. O sibilar do vento que acompanha a fúria das nevadas representa a doçura e a tristeza do canto de Caribay.

Imagem: Caribay e las aguias. Escaneado de "Mitos y leyendas de Latinoamerica.

segunda-feira, 18 de setembro de 2006

Mahura - a lenda da menina trabalhadeira


Description:
Este é um belo mito africano, que gosto muito de contar. Vamos brincar de faz-de-conta que estamos numa roda, em torno de uma fogueira, tecendo as lembranças de uma vida que já vivemos.

Ingredients:
Um dia, numa tribo distante, em tempos remotos lá na África, um grupo de crianças perguntou ao velho e sábio sacerdote o porque de o céu ser tão belo e estar tão longe da terra. O sacerdote em sua sublime sabedoria contou-lhes uma história que é mais ou menos assim: “Quando Deus criou o universo, o céu e a terra viviam juntos e em perfeita harmonia. As nuvens brincavam no chão junto às pedras. O vento divertia-se pregando peças nas folhas das palmeiras que dançavam ao som da brisa suave. As gotas de chuva misturavam-se às águas das cachoeiras e quase não se percebia a diferença entre os elementos do céu e os da terra. Essa harmonia perfeita durou muito tempo.
Um dia a terra resolveu que havia chegado a hora de ter um filho, pois sendo a terra era a geradora da vida. E a terra teve uma filha a qual deu o nome de MAHURA (que significa aquela que trabalha). Mahura cresceu depressa e como seu nome dizia era muito trabalhadeira.
Durante o dia, Mahura cuidava dos ciclos da natureza e, à noite, ao invés de descansar sentava-se ao chão perto de um enorme pilão onde passava a triturar raízes, sementes e cascas. O pilão era mágico e quanto mais era usado, mais crescia. Mahura usava uma enorme mão-de-pilão para triturar as raízes e cada vez mais utilizava força para bater.
Com isso começou a machucar o céu que a princípio gemia baixinho mas, depois não suportando as dores causadas pela mão-de-pilão de Mahura, passou a reclamar. Mahura apenas dizia: Céu, sobe só um pouquinho... Com isso o céu foi se distanciando cada vez mais chegando ao ponto de as nuvens não alcançarem mais o chão para brincar nem as gotas de chuva conseguiam mais molhar o solo que foi enfraquecendo e empobrecendo. Só então a pequena Mahura se deu conta do que havia feito e decidiu pedir desculpas ao céu para que ele voltasse.
Procurando um presente a menina retirou do leito de um rio que teimava em correr uma pepita dourada à qual deu o nome de sol. Do fundo de uma caverna escura retirou uma pedra branca e reluzente à qual deu o nome de lua. Atirou os presentes bem para o alto, um de cada lado do céu como pedido de desculpas. O céu aceitou os presentes, mas decidiu ficar lá no alto, pois era mais seguro.
Se vocês pensam que essa é apenas uma história, hoje à noite olhem para o céu. As estrelas que verão, brilhando, nada mais são do que as cicatrizes deixadas pelo pilão de Mahura.
Assim o velho sábio terminou sua história.



Directions:
Lenda adaptada pelo grupo "Recreação Infantil"

imagem: Noche estellada. Vincent Van Gogh. Disponível em: www.arteycultura.zumodelimon.com